O
orvalho castiga aqueles seres dotados de vida, mas nada que estimule
algo parecido com a desistência. Com velocidade imensurável para
qualquer radar eletrônico, aqueles nacos de folhas se movimentam
numa única direção. Organização impecável, infalível. Aos
poucos um morrinho de folhinhas é formado no que parece ser o
destino final daquela movimentação toda.
Depois
das folhas, minúsculas pedrinhas parecem ter criado pernas e
movimentam-se na mesma direção. Algumas cessam o caminhar, acabam
saindo da trilha ou rolam na mesma direção das pedras restantes.
Acontece que, após rolar um pouco, a pedra parece perder as
perninhas e só depois de um longo tempo, quando as demais pedras a
ultrapassa, é que ela volta a caminhar. Os primeiros serão os
últimos!
Imagine
uma montanha, com todos os atributos que são próprios de uma: a
altura, a largura, a vegetação, os animais, os lençóis
fragmentados, o desafio de ser escalada... Imaginou? Pois bem, aquela
pedrinha que cai entre as que seguem caminho acaba sendo a última a
chegar à montanha. Mas não menos importante, aquela pedrinha compõe
o que os geólogos chamam de "sopé", ou melhor, a base da
montanha. Afinal, o assassino Everest não é tão perigoso se não
tiver a sua base para fortalecê-lo, assim como o Borborema não
seria uma parede natural se não fosse a sua base. Mas aquela
pedrinha parou ali, e ali ficou. O orvalho abranda.
Uma
pequena parte do algodão molhado, que de alguma forma se mantém
flutuando acima de nossas cabeças, acabou deixando uma gota, sim,
estática, cair de uma altura considerável. Se essa gota fosse mais
pesada, mais larga e mais escura, poderia ser uma dor de cabeça se
encontrasse uma em seu caminho. Felizmente é água, não chumbo.
O vento
calmo, passivo quanto às atitudes inconsequentes do algodão
flutuante, resolve brincar um pouco e assopra, bem de mansinho,
aquela gotinha, agora um pingo em alta velocidade. Seu interior
flexível, exageradamente flexível, toma a forma daquele vento
brincalhão e como uma agulha se encaminha para um lugar que aquele
pedacinho do algodão jamais planejaria. Nem o vento.
Claro
que nem mesmo uma agulha de verdade seria capaz de perfurar e deixar
danos visíveis ao solo, mas dependendo das circunstâncias poderia
deixar danos em alguém que está acima do solo. Seria trágico para
uma pessoa levar uma picada que a levasse à morte, imagine, perder
tudo de uma só vez apenas em alguns segundos, bastando um incômodo
na pele e uma sensação de perfuração, agoniante. Acredite, isso
acontece.
Aquele
pingo, veloz, pontiagudo, nocivo e incontrolável, não faz a mínima
ideia do que está fazendo. Porém, peço que tente entender a minha
lógica: Um pingo que cai, um vento que o assopra, uma nuvem que o
solta, um vapor que o traz, um líquido que o transporta, uma chuva
que cai... Quem traz a chuva? Difícil, né!
Mas o
pingo, a agulha, não está nem aí. Descendo, impetuoso, impiedoso,
inconsciente, inorgânico. Seria o vento o seu único aliado nessa
jornada dos céus à terra. Mas não.
O pingo
agora está em um lugar abafado. Onde estaria aquele verde todo, tão
característico da composição natural? Verde não há, apenas
pedras, interligadas por outro tipo de pedra, porém a última era
uma pasta de água, areia e uma pedra triturada que chamam de
"brita".
As
pedras deveriam ser cinzas, entretanto o tempo se encarregou de
tingi-las com um tipo de bege que só ele consegue obter a
tonalidade. Bege, a cor do tempo. O mais estranho é que esse bege
logo obtém uma camada esverdeada, pegajosa, fungi. Nesse lugar
abafado, bege e esverdeado, os pedaços de folha caminham até a
montanha subterrânea, um buraquinho nessa pedra bege é o suficiente
para tal edificação.
Mas o
pingo não pode desobedecer as regras. Mesmo não querendo continuar
naquele ambiente inóspito ao que está acostumado no conforto do
algodão flutuante, ele deve continuar sua queda. E caiu. Escorreu
entre o relevo dos resquícios de brita e aos poucos se misturou aos
colegas que caíram durante a imigração do orvalho, a viagem dos
céus à terra.
Assim
que caiu, uma pedrinha também caiu. Ela perdeu suas pernas para uma
agulha celeste. Enfim, a obra continua. A montanha está bela, no
escuro daquele lugar abafado, bege, esverdeado.
Uma
formiga, úmida, imóvel, contempla pela última vez a maravilha que
ajudou a construir.

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