terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A formiga da vala (09/02/2016)

       
     Se estática, gota, se em movimento, pingo. Enfim, para ela não importava.
     O orvalho castiga aqueles seres dotados de vida, mas nada que estimule algo parecido com a desistência. Com velocidade imensurável para qualquer radar eletrônico, aqueles nacos de folhas se movimentam numa única direção. Organização impecável, infalível. Aos poucos um morrinho de folhinhas é formado no que parece ser o destino final daquela movimentação toda.
      Depois das folhas, minúsculas pedrinhas parecem ter criado pernas e movimentam-se na mesma direção. Algumas cessam o caminhar, acabam saindo da trilha ou rolam na mesma direção das pedras restantes. Acontece que, após rolar um pouco, a pedra parece perder as perninhas e só depois de um longo tempo, quando as demais pedras a ultrapassa, é que ela volta a caminhar. Os primeiros serão os últimos!
      Imagine uma montanha, com todos os atributos que são próprios de uma: a altura, a largura, a vegetação, os animais, os lençóis fragmentados, o desafio de ser escalada... Imaginou? Pois bem, aquela pedrinha que cai entre as que seguem caminho acaba sendo a última a chegar à montanha. Mas não menos importante, aquela pedrinha compõe o que os geólogos chamam de "sopé", ou melhor, a base da montanha. Afinal, o assassino Everest não é tão perigoso se não tiver a sua base para fortalecê-lo, assim como o Borborema não seria uma parede natural se não fosse a sua base. Mas aquela pedrinha parou ali, e ali ficou. O orvalho abranda.
          Uma pequena parte do algodão molhado, que de alguma forma se mantém flutuando acima de nossas cabeças, acabou deixando uma gota, sim, estática, cair de uma altura considerável. Se essa gota fosse mais pesada, mais larga e mais escura, poderia ser uma dor de cabeça se encontrasse uma em seu caminho. Felizmente é água, não chumbo.
        O vento calmo, passivo quanto às atitudes inconsequentes do algodão flutuante, resolve brincar um pouco e assopra, bem de mansinho, aquela gotinha, agora um pingo em alta velocidade. Seu interior flexível, exageradamente flexível, toma a forma daquele vento brincalhão e como uma agulha se encaminha para um lugar que aquele pedacinho do algodão jamais planejaria. Nem o vento.
          Claro que nem mesmo uma agulha de verdade seria capaz de perfurar e deixar danos visíveis ao solo, mas dependendo das circunstâncias poderia deixar danos em alguém que está acima do solo. Seria trágico para uma pessoa levar uma picada que a levasse à morte, imagine, perder tudo de uma só vez apenas em alguns segundos, bastando um incômodo na pele e uma sensação de perfuração, agoniante. Acredite, isso acontece.
         Aquele pingo, veloz, pontiagudo, nocivo e incontrolável, não faz a mínima ideia do que está fazendo. Porém, peço que tente entender a minha lógica: Um pingo que cai, um vento que o assopra, uma nuvem que o solta, um vapor que o traz, um líquido que o transporta, uma chuva que cai... Quem traz a chuva? Difícil, né!
         Mas o pingo, a agulha, não está nem aí. Descendo, impetuoso, impiedoso, inconsciente, inorgânico. Seria o vento o seu único aliado nessa jornada dos céus à terra. Mas não.
O pingo agora está em um lugar abafado. Onde estaria aquele verde todo, tão característico da composição natural? Verde não há, apenas pedras, interligadas por outro tipo de pedra, porém a última era uma pasta de água, areia e uma pedra triturada que chamam de "brita".
          As pedras deveriam ser cinzas, entretanto o tempo se encarregou de tingi-las com um tipo de bege que só ele consegue obter a tonalidade. Bege, a cor do tempo. O mais estranho é que esse bege logo obtém uma camada esverdeada, pegajosa, fungi. Nesse lugar abafado, bege e esverdeado, os pedaços de folha caminham até a montanha subterrânea, um buraquinho nessa pedra bege é o suficiente para tal edificação.
         Mas o pingo não pode desobedecer as regras. Mesmo não querendo continuar naquele ambiente inóspito ao que está acostumado no conforto do algodão flutuante, ele deve continuar sua queda. E caiu. Escorreu entre o relevo dos resquícios de brita e aos poucos se misturou aos colegas que caíram durante a imigração do orvalho, a viagem dos céus à terra.
           Assim que caiu, uma pedrinha também caiu. Ela perdeu suas pernas para uma agulha celeste. Enfim, a obra continua. A montanha está bela, no escuro daquele lugar abafado, bege, esverdeado.

            Uma formiga, úmida, imóvel, contempla pela última vez a maravilha que ajudou a construir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário