domingo, 11 de janeiro de 2015

Doce (11/01/15)



Doce

         O que corre em nossas veias possui uma combinação surpreendente. Por mais enganoso que seja pensar numa mistura homogênea, esse líquido é perfeitamente dividido, mesmo sendo tão uniforme a olho nu.
            A concepção do que é doce assemelha-se ao que é belo. É algo que parte do subjetivo, ou seja, é algo que está fora do entendimento de qualquer intelectual, afinal, o sentimento em si se torna indescritível e incompreensível, apenas sensível. O doce, de uma maneira geral, está relacionado ao açúcar, um dos maiores inimigos e amigos daqueles que adoram passar boas horas desfrutando de industrializados. Porém, quero trazer a você, leitor, que o doce pode se tornar amargo em um momento súbito, entretanto, o sabor se torna maravilhoso e extremamente prazeroso. Portanto, contextualizemos.
           

Em um vasto espaço, ou melhor, em um mundo paralelo, podemos identificar coisas que nós, seres humanos, temos mais afinidade quanto ao nosso gosto - uma das coisas mais variáveis que existem em nossas mentes tão lúcidas e férteis. Entretanto, pode haver coisas que não nos agradam, tudo pelo fato que as nossas decisões nos fizeram aceitar o nosso destino. Infelizmente somos muito imaturos para perceber o verdadeiro propósito de estar ali, todos os dias, olhando para as mesmas pessoas e dizendo para si mesmo que poderia melhorar as relações, mas não que possui atitude para isso.
            Não é novidade que esse tipo de coisa passa pela mente das pessoas, mesmo que despercebidamente. De uma forma prática, esse mundo paralelo veio a tomar forma em nosso tão monótono mundo real, sim, estou falando da internet. O que é mais sublime do que isso para pessoas que sonham fugir da realidade? São fatos dos quais não se podem escapar. A consciência humana possui uma queda (no sentido de afinidade) para as coisas que a conforta. Em adolescentes é a coisa mais comum e considerada normal para aqueles que não tiveram a oportunidade de debruçar o seu semblante sobre uma tela que nada tem a oferecer, a não ser que pressionemos o botão “pesquisar” sobre os nossos desejos momentâneos e fúteis.
            Clarisse, uma jovem de dezesseis anos, é do tipo que adora manter disparidades no meio em que vive. De inteligência aguçada e com bons instintos, podemos dizer de primeiro plano que ela não possui problemas consigo mesma. Entretanto, é justamente a busca pela perfeição que torna o caminho da vida mais espinhoso, pois demanda sabedoria, mas, sobretudo experiência. Por esses e outros motivos que não quero detalhar, Clarisse não possui muitas amigas, apenas a quantidade que ela acha necessária para se manter em paz quando quer ficar sozinha, o que acontece com frequência.
            Nossa heroína é o tipo de pessoa que busca constantemente as famosas “válvulas de escape” que a sociedade propõe. E como já foi dito, a web não deixa de exercer um papel importantíssimo para isso. É um lugar propício para o anonimato, onde o seu rosto não precisa ser exposto quando há algo entalado na garganta e que você sente a necessidade de liberar, seja sobre um vídeo, um comentário, um artigo em um blog ou sobre uma pessoa que você não gostaria de encontrar para falar aquilo que pensa.
            Clarisse participava frequentemente de redes sociais, porém não gostava de tirar fotos e exibir para as pessoas. Não considerava isso como medo de ser pretensiosa, mas simplesmente por não gostar disso. Possuía apenas um rostinho amarelo com duas pintinhas para serem os olhos e uma curva para cima para representar um sorriso. De maneira recorrente, as pessoas chamam esse tipo de imagem de “emoticon”. Ela conversava em bate-papos com as pessoas e, logicamente, as pessoas insistiam e ver o seu rosto. Clarisse conversava muito bem e fluentemente, o que não era diferente online.
            Certo dia, Clarisse encontrava-se sentada no primeiro degrau da escada que dava acesso à porta dos fundos, do lado de fora da casa. Observava o jardim coberto pelas borboletas que pairavam sobre a relva baixa, de onde emanava um frescor revigorante e de certa forma alegre. Direcionou os seus olhos azuis para a árvore que se localizava ao fundo do cenário, bem a sua frente, tentando decifrar a cena que jamais sairia de sua cabeça.
            Era apenas um pequeno canário, liberto recentemente por um de seus vizinhos que adorava pássaros e que os acolhia para alimentá-los e logo depois retirá-los do cativeiro. Ele bicava as asas, de modo que limpasse a sujeira acumulada após alguns dias, porém as asas estavam negras demais para ser uma sujeira normal. Clarisse aproximou-se lentamente, de modo que não assustasse o pequeno animal.
            O canário parou de movimentar-se, focando seus olhos miúdos para o horizonte do céu que ele não teria mais oportunidade de cruzar. Seu canto cessou e as assas caíram em um tronco qualquer, denunciando a causa óbvia de sua morte e o seu assassino: um mundo que não possui misericórdia para aqueles que não suportam viver com o que ele defeca a todo segundo. A arma do crime: o consumo daqueles que amam o mundo.
            O fato de que tal cena não saía da mente de Clarisse não era o horror de ver um animal inocente morrer por sua causa, e sim o próprio fato de ter contribuído para matá-lo. Para ela, matar alguém era maior ato de amor que era possível de ser realizado, um alívio para quem a recebe. A morte do canário comprovou isso. Era apenas mais um conceito destrutivo, porém, um dos mais sensatos que se pode ter.

Nenhum comentário:

Postar um comentário