domingo, 11 de janeiro de 2015

Não toque (11/01/15)



Não toque

            Acredito que seja bastante comum chegarmos em lojas de artigos em geral (lojinhas de 1,99) e dar de cara com avisos do tipo “não quebre” ou “se quebrar, pague”, ou até mesmo, “quebrou, pagou”. Mas há uma loja que me chamou a atenção, pois apenas um produto da loja inteira possuía esse aviso.
            Ora, havia muitas peças da loja que eram feitas de vidro, então seria comum que nas prateleiras tivessem avisos do tipo, entretanto, esse produto com o aviso era feito de um material resistente, era de metal.
            Parei de andar pela loja a procura de outros produtos, e fiquei intrigado com aquele objeto de metal. Era apenas uma escultura que representava algum tipo de ser mitológico. A figura possuía chifres em quatro cantos na cabeça, e a face não apresentava olhos nem boca, apenas orelhas. A parte que sustentava a figura do ser era ornada com o mesmo tipo de metal, e era negro, muito negro.
            O aviso que estava perto da figura dizia: “não toque”. Eu, claro, ignorei o aviso e decidi que ia comprar o misterioso objeto. Quando cheguei ao caixa, o atendente me voltou um olhar de ira, como se aquele objeto nunca pudesse ser vendido, o que seria estranho, afinal ele estava em uma prateleira da loja. Não me importei e fui para casa.
            Estava um pouco tarde quando cheguei. Após ter saído da loja, acabei passando na casa de um amigo para mostrar o meu novo enfeite. Disse a ele que iria deixar perto do meu computador, afinal era uma escultura bem maneira, apesar de sinistra. Estranhamente o meu amigo decidiu que queria um igual, mas eu avisei que era o único da loja. Em determinado momento da visita, minha escultura sumiu. O cão de estimação do meu amigo o pegou de cima da estante que eu tinha deixado e só fomos encontrar o tal objeto após duas horas de procura.
            Esquentei um pouco da comida que estava no fogão e fui para o quarto. Deixei minhas coisas em cima da cama e abri minha página na internet. Lembrei da escultura e descansei o objeto em cima da mesa do computador. As luzes do meu quarto estavam apagadas e o meu computador estava processando mais lentamente que o normal. Tentei reiniciá-lo, mas vi que a situação havia piorado o sistema. Enquanto eu aguardava as luzes do meu computador se acenderem novamente, apenas a tela do monitor respondeu. A caixa do computador não emitia nenhum sinal, porém o monitor continuou a ligar, e de repente imagens perturbadoras começaram a disparar na tela.
            Pessoas sendo assassinadas, estupradas, sodomizadas, torturadas e esquartejadas. Imagens de supostos demônios e símbolos satânicos apareciam com constância. Eu poderia apenas ter apertado o botão azul que fica logo à esquerda do monitor, assim eu desligaria e poderia acender as luzes do quarto. Porém, meus músculos não se mexiam em hipótese alguma, nem mesmo meus globos oculares respondiam aos meus pensamentos. Eu apenas enxergava a tela e os horrores dos quais eu nunca desejaria passar.
            Meu celular estava em cima da cama e eu estava de costas para ele. Se alguém ligasse eu não poderia atender. Senti as vibrações do celular e logo ele começou a tocar, porém a música do toque era muito baixa, o que não poderia acordar alguém da minha casa para que pudesse abrir a porta e dar um jeito nessa situação. Até que o celular parou de tocar, como se alguém tivesse atendido. Mas não havia ninguém além de mim e o monitor.
            Vagarosamente uma voz começou a sussurrar do celular:

            _Ei, cara, você pode me ouvir? Eu estou com medo, muito medo.

            Pela voz sussurrada, pude perceber quem era. O meu amigo estava falando ao telefone, o mesmo que eu tinha visitado horas atrás. Ele continuou.

            _Quando você saiu eu tentei dormir um pouco, mas a única coisa que eu via era aquele seu boneco de metal. Aquele dos chifres.

            O quarto estava bastante escuro, então eu não conseguia enxergar a escultura, mesmo que ela estivesse bem ao meu lado. Meu amigo continuou.

            _Cara, você tem que se livrar dessa escultura! No sonho, ela me disse que estava louca para realizar o desejo do seu mestre. Cara, eu estou te falando, joga ela for...

            A ligação parece ter caído.

            Alguns segundos depois da ligação, o monitor travou em uma imagem, ou melhor, em um vídeo. Pude perceber que era um vídeo, pois um homem misterioso apareceu e sentou em uma cadeira do cenário. Ele parecia estar pronto para gravar um discurso. Ele pigarreou, fixou seus olhos negros para a câmera e começou:

            _Se alguém está vendo esse vídeo, é porque a minha hora chegou.

            Poderia ser um suicídio? Eu não sei, afinal minha visão começou a ficar embaçada e logo escureceu. Minha capacidade de falar havia sido cortada do meu corpo, afinal eu não sentia mais os meus lábios, nem a minha língua. A única coisa em meu corpo que funcionava era os meus ouvidos. O homem continuou.

            Sempre que eu vejo um cliente entrar em minha loja, o meu coração aperta, como medo de que esse mesmo cliente tenha a curiosidade de tocar em moloch. Sim, moloch, um demônio. Durante um tempo, ele tem me dado as orientações para seguir na vida. Eu ando tão frustrado. Me perdi em uma vida de fracassos e confusões. Perdi as pessoas mais importantes, por mais que fossem poucas, eram importantes. Quando encontrei moloch, eu o selei numa escultura de metal para que um dia, quando a hora chegasse, ele pudesse cumprir o meu desejo. Não tenho mais vontade alguma de viver. A única coisa que eu precisava, era de um coração vazio como o meu, para que eu pudesse tomar para mim e pudesse ser imortal. Sendo imortal, nada poderia me frustrar, eu poderia ser livre, eu poderia ficar com todas as mulheres que eu quisesse, afinal, moloch me prometeu tudo isso quando esse coração vazio tocasse na escultura. Pelo que ouvi de moloch, um coração acabou de ser recolhido, basta que eu arranque e coma. Agora, resta tomar o seu.”

            Senti uma força segurar em meu peito, mas não era humana. Logo perdi a audição. Porém, em meu último momento de memória, lembrei da estátua que possuía apenas as orelhas como último recurso de vida.

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