Não toque
Acredito que seja bastante comum chegarmos em lojas de
artigos em geral (lojinhas de 1,99) e dar de cara com avisos do tipo “não
quebre” ou “se quebrar, pague”, ou até mesmo, “quebrou, pagou”. Mas há uma loja
que me chamou a atenção, pois apenas um produto da loja inteira possuía esse
aviso.
Ora, havia muitas peças da loja que eram feitas de vidro,
então seria comum que nas prateleiras tivessem avisos do tipo, entretanto, esse
produto com o aviso era feito de um material resistente, era de metal.
Parei de andar pela loja a procura de outros produtos, e
fiquei intrigado com aquele objeto de metal. Era apenas uma escultura que
representava algum tipo de ser mitológico. A figura possuía chifres em quatro
cantos na cabeça, e a face não apresentava olhos nem boca, apenas orelhas. A
parte que sustentava a figura do ser era ornada com o mesmo tipo de metal, e
era negro, muito negro.
O aviso que estava perto da figura dizia: “não toque”.
Eu, claro, ignorei o aviso e decidi que ia comprar o misterioso objeto. Quando
cheguei ao caixa, o atendente me voltou um olhar de ira, como se aquele objeto
nunca pudesse ser vendido, o que seria estranho, afinal ele estava em uma
prateleira da loja. Não me importei e fui para casa.
Estava um pouco tarde quando cheguei. Após ter saído da
loja, acabei passando na casa de um amigo para mostrar o meu novo enfeite.
Disse a ele que iria deixar perto do meu computador, afinal era uma escultura
bem maneira, apesar de sinistra. Estranhamente o meu amigo decidiu que queria
um igual, mas eu avisei que era o único da loja. Em determinado momento da
visita, minha escultura sumiu. O cão de estimação do meu amigo o pegou de cima
da estante que eu tinha deixado e só fomos encontrar o tal objeto após duas
horas de procura.
Esquentei um pouco da comida que estava no fogão e fui
para o quarto. Deixei minhas coisas em cima da cama e abri minha página na
internet. Lembrei da escultura e descansei o objeto em cima da mesa do
computador. As luzes do meu quarto estavam apagadas e o meu computador estava
processando mais lentamente que o normal. Tentei reiniciá-lo, mas vi que a
situação havia piorado o sistema. Enquanto eu aguardava as luzes do meu
computador se acenderem novamente, apenas a tela do monitor respondeu. A caixa
do computador não emitia nenhum sinal, porém o monitor continuou a ligar, e de
repente imagens perturbadoras começaram a disparar na tela.
Pessoas sendo assassinadas, estupradas, sodomizadas,
torturadas e esquartejadas. Imagens de supostos demônios e símbolos satânicos
apareciam com constância. Eu poderia apenas ter apertado o botão azul que fica
logo à esquerda do monitor, assim eu desligaria e poderia acender as luzes do
quarto. Porém, meus músculos não se mexiam em hipótese alguma, nem mesmo meus
globos oculares respondiam aos meus pensamentos. Eu apenas enxergava a tela e
os horrores dos quais eu nunca desejaria passar.
Meu celular estava em cima da cama e eu estava de costas
para ele. Se alguém ligasse eu não poderia atender. Senti as vibrações do
celular e logo ele começou a tocar, porém a música do toque era muito baixa, o
que não poderia acordar alguém da minha casa para que pudesse abrir a porta e
dar um jeito nessa situação. Até que o celular parou de tocar, como se alguém
tivesse atendido. Mas não havia ninguém além de mim e o monitor.
Vagarosamente uma voz começou a sussurrar do celular:
_Ei, cara, você pode me ouvir? Eu estou com medo, muito
medo.
Pela voz sussurrada, pude perceber quem era. O meu amigo
estava falando ao telefone, o mesmo que eu tinha visitado horas atrás. Ele
continuou.
_Quando você saiu eu tentei dormir um pouco, mas a única
coisa que eu via era aquele seu boneco de metal. Aquele dos chifres.
O quarto estava bastante escuro, então eu não conseguia
enxergar a escultura, mesmo que ela estivesse bem ao meu lado. Meu amigo
continuou.
_Cara, você tem que se livrar dessa escultura! No sonho,
ela me disse que estava louca para realizar o desejo do seu mestre. Cara, eu
estou te falando, joga ela for...
A ligação parece ter caído.
Alguns segundos depois da ligação, o monitor travou em
uma imagem, ou melhor, em um vídeo. Pude perceber que era um vídeo, pois um
homem misterioso apareceu e sentou em uma cadeira do cenário. Ele parecia estar
pronto para gravar um discurso. Ele pigarreou, fixou seus olhos negros para a
câmera e começou:
_Se alguém está vendo esse vídeo, é porque a minha hora
chegou.
Poderia ser um suicídio? Eu não sei, afinal minha visão
começou a ficar embaçada e logo escureceu. Minha capacidade de falar havia sido
cortada do meu corpo, afinal eu não sentia mais os meus lábios, nem a minha
língua. A única coisa em meu corpo que funcionava era os meus ouvidos. O homem
continuou.
“Sempre que eu vejo
um cliente entrar em minha loja, o meu coração aperta, como medo de que esse
mesmo cliente tenha a curiosidade de tocar em moloch. Sim, moloch, um demônio.
Durante um tempo, ele tem me dado as orientações para seguir na vida. Eu ando
tão frustrado. Me perdi em uma vida de fracassos e confusões. Perdi as pessoas
mais importantes, por mais que fossem poucas, eram importantes. Quando
encontrei moloch, eu o selei numa escultura de metal para que um dia, quando a
hora chegasse, ele pudesse cumprir o meu desejo. Não tenho mais vontade alguma
de viver. A única coisa que eu precisava, era de um coração vazio como o meu,
para que eu pudesse tomar para mim e pudesse ser imortal. Sendo imortal, nada
poderia me frustrar, eu poderia ser livre, eu poderia ficar com todas as
mulheres que eu quisesse, afinal, moloch me prometeu tudo isso quando esse
coração vazio tocasse na escultura. Pelo que ouvi de moloch, um coração acabou
de ser recolhido, basta que eu arranque e coma. Agora, resta tomar o seu.”
Senti uma força segurar em meu peito, mas não era humana.
Logo perdi a audição. Porém, em meu último momento de memória, lembrei da
estátua que possuía apenas as orelhas como último recurso de vida.
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