Realidades
desconexas
Sem
saber, as pessoas fazem de suas vidas algo totalmente sem objetivo, algo
inútil. Para resolver isso, as pessoas buscam outras para preencher o vazio de
seus dias. Não tem nada melhor do que uma boa dose de amor ou de atenção para
dar sentido à vida. Não é a toa que muitos fatos em nosso mundo tiveram uma
ponta de benevolência vinda de algum ser de bom coração, benevolência que nasce
das raízes do amor.
David, um jovem por espírito, porém
adulto em idade, era um dos homens mais cobiçados em sua cidade. Alto,
apresentável e bastante atraente, David passara seus trinta e dois anos agindo
com a mente à frente de suas decisões, poucas vezes apaixonava-se ou se deixava
levar pelas silhuetas de uma mulher aleatória. Entre tantos acontecimentos
sugestivos em sua vida, David ainda se mantinha íntegro com a sua
personalidade, impedindo qualquer tipo de bipolaridade.
Quanto ao amor, David sempre foi
conservado, principalmente pelo fato de que nunca tivera um sério compromisso
com as mulheres que deitaram em seu peito, até que uma revolução acontecesse em
sua vida: apaixonou-se perdidamente e inexplicavelmente. Era uma mulher
maravilhosa. Mas não era qualquer mulher maravilhosa, e sim, uma rara exceção
entre tantas opções. Em todos os momentos de sua vida como um homem forte,
bonito e viril, David nunca se deparou com tantas qualidades e um só ser. O
nome dela era Cassandra, porém só foi descobrir isso com dois meses de
platonismos.
Cassandra era realmente bela. Uma
mulher simples e que não mantinha vaidades exageradas. Seus cabelos longos e
ruivos formavam cachos nas pontas, juntamente com sua pele alva e decorada
pelas pedras de esmeralda que eram os seus olhos. Uma boca pequena, porém não
muito. De longe se mostrava uma mulher saudável e que cultivava o bem-estar
consigo mesma. Era impossível olhar para ela e dizer que não era possível achar
qualidades. David estava convicto de que poderia falar com ela, ao menos um
pouco, e dizer algo que demonstrasse sua admiração.
Ela era bibliotecária em uma avenida
próxima, o que deixava David confiante de que poderia falar com ela mais
facilmente. Apressou o serviço em seu trabalho para não se sentir pressionado e
partiu para a biblioteca. Estava meio constrangido. Sentou em uma das cadeiras
na sala principal da biblioteca e parou para observar a serenidade de
Cassandra, que se encontrava no balcão, lendo um dos exemplares de F.V.Lorenze, um grande historiador. Sua
concentração era fascinante, seus olhos rápidos para leitura eram mais
atraentes do que vistos de longe. De repente parou sua leitura, porém David nem
ao menos reparou nisso.
Ela estava com os olhos fixos para
David, enquanto o mesmo continuava a contemplar sua fisionomia e seu intelecto.
Ficaram assim por minutos. Logo depois, Cassandra se dirigiu à mesa onde David
estava sentado, deixando seu livro no balcão. Seus passos leves carregavam seu
aroma estonteante para qualquer homem de nariz apurado e maravilhoso para um
homem apaixonado. Se aproximou do vergonhoso David que agora disfarçava-se
olhando para os lados e disse:
-Posso ajudar, senhor?
David ergueu os olhos para olhar de
cima a baixo a moça alta.
-S-sim, claro...
-Diga.
-N-não é que... David ficou
extremamente envergonhado nesse momento.
-É que eu estava cansado de andar e dei
uma paradinha aqui para sentar... David sorriu para a moça como alguém que
acabara de dar uma má desculpa.
-Entendo, mas o senhor não tem
interesse em ler algum livro ou algo parecido?
-Ah, claro! David levantou-se
rapidamente e com o rosto avermelhado. Andou apressadamente para qualquer
estante e começou a passar os dedos sobre os livros organizados em ordem
alfabética. Cassandra continuou a olhar o constrangido David e sentou na mesma
mesa em que ele estava, continuando a observá-lo.
Após alguns minutos de encenação,
David voltou para a mesa com um dos exemplares de Jack Saints. Era um livro sobre paranormalidade e espiritismo,
porém nem ao menos reparou nisso. Cassandra olhou o livro rapidamente e disse:
-Se interessa por livros assim?
David foi perceber o conteúdo do
livro só naquele momento:
-Ah sim, claro que sim... Disse
ainda avermelhado.
-Olha, não precisa se envergonhar só
porque estou aqui, senhor.
David se espantou com a capacidade
de raciocínio de Cassandra, e logo depois disse, perdendo o constrangimento aos
poucos:
-Não estou envergonhado moça, só
estou um pouco confuso!
-Confuso?! Você parece um
adolescente com vergonha de pedir uma menina em namoro...
David engoliu em seco.
-Se quer me ter, terá que agir como
homem...
David ficou mais confuso do que já
estava, nunca poderia esperar tais palavras daquela mulher.
-P-por que está me dizendo isso
moça...?
-É simples, tenho interesse em seu
corpo. Acho que pode ser bastante útil para as minhas experiências.
-Como assim? Que tipo de
experiências?
-São experiências que faço com
homens bem aparentados, normalmente por meio de sexo ou masoquismo...
-MAS QU...
-Não
grite, está em uma biblioteca...
O
diálogo cessou por alguns instantes enquanto David olhava para Cassandra, inconformado
com tais palavras.
-Mas
que tipo de mulher é você? Disse David retomando o diálogo.
-Sou
uma mulher como qualquer outra, só tenho algumas manias inconcebíveis para
muitos homens. Acho que você é um deles...
-Eu
apenas quero saber que tipo de experiências são essas!
-Quer
mesmo saber?
-Claro!
Afinal você quer fazer isso comigo...!
-Então
siga o endereço nesse papel.
Cassandra
tirou um pedaço de papel de seu bolso e deu para David. O conteúdo era:
“Rua 12, beco 3”
-Te
vejo lá garotão...
E
saiu da biblioteca.
David leu o papel e concluiu com
grande sarcasmo que era uma informação ridícula. Correu para a saída da
biblioteca para tentar alcançar a mulher misteriosa, porém não estava mais ao
alcance de seus olhos.
Andou alguns metros em busca de pistas
para saber que tipo de coisa aquele endereço estava relacionado, sendo que nada
tinha relação com becos enumerados. Cansado de procurar, voltou para seu
apartamento e ficou pensando por horas. Ele queria matar sua curiosidade sobre
o que acabara de ser invitado, porém não tinha certeza do que poderia encontrar
se seguisse aquele endereço. Aquele convite feito de uma maneira tão rápida era
o que mais preocupava seus pensamentos, assim, ficando cada vez mais indeciso
sobre o que fazer. Então adormeceu.
Enquanto adormecia, seus olhos se
fechavam de uma maneira anormal. Eles carregavam um peso maior, mesmo quando a
exaustão vinha de maneira avassaladora, David nunca havia sentido tamanha dor
ao fechá-los, era como se algo estivesse impedindo que ele os fechasse. Depois
de algumas horas tentando, inutilmente, adormecer e esquecer a proposta de
Cassandra, ele sentiu a dor de seus olhos se espalhar pelo corpo inteiro. Suas
pernas, seus braços e sua cabeça doíam intensamente, porém uma parte de seu
corpo doía bem mais que as demais: seu coração.
Entre tantas tentações que os homens
encontram em suas vidas, é difícil identificar uma que atinja o coração
diretamente. Muitas delas, se não todas, são voltadas apenas para o corpo e
para as relações sexuais, porém poucas faziam o coração bater mais rápido de
forma a doer. Sua respiração ficava cada vez mais rápida, sentindo a
necessidade de puxar um pouco do ar que ainda restava em seu apartamento, logo,
seu corpo começou a tremer. Sua cabeça estava para explodir e seu coração
bombeava litros de sangue em alta velocidade. Ele saiu de sua cama e começou a
correr pelo apartamento freneticamente, como se estivesse procurando algo para
aliviar sua dor. Ao tentar alcançar um copo d’água, sua visão começou a embaçar
e tudo ao alcance de seus olhos assumiu uma forma estranha, tudo se assemelhava
a demônios, que queriam arrancar suas roupas, arrancar seus membros e levar os
restos para o inferno. Porém tudo isso acontecia apenas em sua mente.
Até que tudo parou. A respiração, a
dor no corpo, o ataque epiléptico e por fim, seu coração parou de bombear seu
sangue. Seu corpo foi ao chão. Muitos concluiriam que sua morte foi por uma
overdose ou algo do tipo, porém aquele momento súbito que antecedera sua morte
tinha outro significado. Alguns minutos depois, seus braços começaram a
sustentar o peso do corpo, ele estava se levantando novamente. Suas pernas
ainda tremiam um pouco, mas ainda foi o suficiente para se manter em pé. Apesar
de se levantar, seus olhos não tinham o mesmo brilho de antes, olhava para o
horizonte, porém não via nada além de vultos e sombras. Estava inconsciente.
Seus pés o guiavam para algum lugar,
cada movimento de seu corpo era involuntário. Andou alguns metros e foi até a
janela de seu apartamento, que se encontrava no décimo andar de um edifício
conhecido. Subiu na soleira e caiu de lá. Seu corpo caía, porém não sentia a
mínima vontade de gritar ou ir contra aquele momento, apenas caiu. A queda foi
extremamente assustadora, as pessoas que estavam por perto correram para tentar
socorrer o corpo caído de David, que ainda não havia morrido, continuava com os
mesmos olhos. Levantou-se e continuou a andar. As pessoas olhavam para David,
ensanguentado e cheio de feridas, porém ele não devolvia o olhar. As sombras
começaram a se movimentar loucamente à sua frente, e logo começaram a lhe
agarrar. Seus braços balançavam para frente, seguindo o movimento involuntário
de suas pernas quebradas. Se estivesse consciente, nem ao menos conseguiria ficar
de pé, ou melhor, estaria predestinado a morte a partir do momento em que caiu
da janela de seu apartamento. A cena era macabra e uma das mais assustadoras
das quais aquele público já vira.
O sangue escorria de suas mãos. As
gotas ficavam marcadas no chão e coagulavam ali. Seus passos foram ficando cada
vez mais lentos, talvez já estivesse sentindo a dor, mas ainda continuava a andar.
Até que seus passos foram interrompidos, subitamente. Uma voz ecoava pelos
cantos das ruas. Apesar do intenso barulho que aquela cidade fazia durante a
noite, David conseguia ouvir apenas aquela voz, causando-lhe uma intensa
curiosidade. Começou a correr para alcançá-la, porém caiu. As suas pernas não
permitiam mais qualquer tipo de movimento. Uma estranha determinação emanava do
semblante de David, logo, começou a se arrastar como um louco. Seus braços
começaram a perder os ligamentos, seu corpo já não tinha utilidade. Sua mente
descontrolada tomou conta de todas as suas ações, apenas os seus pensamentos
sem sentido monitoravam os seus esforços. A voz continuava a chamar o seu nome
e pedia sua presença com as seguintes palavras: “Venha até mim, descarregue seus desejos em mim, derrame seu sangue
sobre meu corpo, continue a se arrastar e busque a minha alma.”
David
não suportou a dor, mesmo estando inconsciente. Adormeceu novamente.
Uma sombra com uma forma diferente
caminhou em sua direção, carregando uma foice de cor escarlate. Seu corpo e
alma não estavam mais no mundo em que costumava viver. A sombra carregava o
corpo adormecido de David através do cabo curvado de sua foice. Após alguns
metros de caminhada, a sombra deixou o corpo de David cair no chão. Ele abriu
seus olhos. Não estava mais inconsciente nem coberto por feridas, porém não
conseguia deduzir onde estava. O lugar era totalmente escuro e sombrio, sem
iluminação. A única luz que iluminava aquela dimensão vinha de uma chama de
emanava das mãos da sombra.
A sombra começou a tomar uma forma
definida. Seu corpo tinha a forma de uma mulher. Os cabelos longos e ruivos, a
pele branca e pálida, os olhos verdes e sem vida, estava nua. Virou-se e
observou o confuso David por alguns instantes. Apenas os dois estavam naquele
lugar sem luz, sem ar, sem comida, sem sentido. A mulher, estendendo sua mão,
disse:
-Vejo que minha experiência foi um
grande sucesso...
David olhou para a mulher com
espanto. Não queria que ela fosse Cassandra, a mulher com a qual tinha
conversado no mesmo dia.
-E-Ei...
-Não se preocupe, não tem motivos
para se preocupar, está seguro agora...
-Seguro? Do que está falando, que
tipo de lugar é esse? E quem é você?!
-Você é um verme mesmo... Se quer
mesmo saber, a única coisa que posso dizer é que está morto.
David engoliu em seco.
-Morto? Como assim?
-Você acabou de passar por uma
projeção astral. Você poderia até ter escapado, se não tivesse dormido naquela
hora...
David ia soltar uma torrente de
perguntas para a mulher naquele momento, porém foi interrompido assim que a
mulher estendeu a mão para ele.
-Vamos, é hora de se despedir da sua
mente.
A mulher ergueu o corpo de David
assim que tocou em sua mão. Executou um corte horizontal com sua foice, na
altura de seu pescoço, decapitando David. Assim que executou o corte, os dois
foram transportados para uma outra dimensão.
Nessa dimensão, Cassandra estava
sentada em uma pedra, dessa vez estava vestida com um manto negro. Carregava em
suas costas a mesma foice, e em sua mão estava a cabeça de David. O homem
estava acorrentado e totalmente preso. Cassandra pegou sua foice e apontou para
o sexo de David:
-Tão lindo...
David estava novamente inconsciente,
não dizia sequer uma palavra. Ajoelhado e preso, era apenas um escravo. Á sua
volta, outros homens eram molestados por outras mulheres de manto negro. Aquela
dimensão era a forma espiritual do mundo dos desejos, onde cada homem que se
entregava inteiramente ao sexo era preso e usado, porém tinha que passar por
uma morte horrenda.
Cassandra tirou seu manto e perfurou
o corpo de David com o cabo de sua foice, deixando-a suspensa. Sua pele era
áspera e fria. Beijou-o de forma a arrancar seus lábios com mordidas violentas.
A pele de David era rasgada a cada golpe que Cassandra desferia com suas unhas
enormes e sujas. Após algumas horas de tortura perversa, Cassandra deitou o
corpo de David em um solo áspero e quente, acorrentando-o novamente. Após
retirar suas roupas, a mulher fez da genitália de David apenas um instrumento
de diversão, um brinquedo pessoal. Sentia prazer, mas queria torturá-lo ainda
mais. As entranhas de Cassandra eram espinhosas, a cada movimento que fazia
sobre ele, gotas e mais gotas de sangue eram derramadas. Era uma cena de sexo
dantesca. Apenas Cassandra gozava com aquele momento, enquanto o corpo de David
era queimado sobre a pedra aquecida por lava.
Tal cena era repetida a todo
momento. Ás vezes Cassandra intensificava as torturas comendo os órgãos dele.
Ao final de cada ciclo, o corpo de David se regenerava. Com o tempo, David foi
recuperando sua consciência, porém não conseguia sair de lá. Estava preso ao
destino de ser torturado e molestado pela eternidade.
O mesmo acontecia com os homens que
acabavam de chegar. Mulheres que aparentavam ser maravilhosas no mundo
conhecido, mas que possuíam um instinto demoníaco e obscuro. Eram apenas
realidades desconexas, algo sem sentido, prazeroso e mortal.
Por:
Anderson V. do Nascimento
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