sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Realidades Desconexas (09/01/15)



Realidades desconexas
           
Sem saber, as pessoas fazem de suas vidas algo totalmente sem objetivo, algo inútil. Para resolver isso, as pessoas buscam outras para preencher o vazio de seus dias. Não tem nada melhor do que uma boa dose de amor ou de atenção para dar sentido à vida. Não é a toa que muitos fatos em nosso mundo tiveram uma ponta de benevolência vinda de algum ser de bom coração, benevolência que nasce das raízes do amor.
            David, um jovem por espírito, porém adulto em idade, era um dos homens mais cobiçados em sua cidade. Alto, apresentável e bastante atraente, David passara seus trinta e dois anos agindo com a mente à frente de suas decisões, poucas vezes apaixonava-se ou se deixava levar pelas silhuetas de uma mulher aleatória. Entre tantos acontecimentos sugestivos em sua vida, David ainda se mantinha íntegro com a sua personalidade, impedindo qualquer tipo de bipolaridade.
            Quanto ao amor, David sempre foi conservado, principalmente pelo fato de que nunca tivera um sério compromisso com as mulheres que deitaram em seu peito, até que uma revolução acontecesse em sua vida: apaixonou-se perdidamente e inexplicavelmente. Era uma mulher maravilhosa. Mas não era qualquer mulher maravilhosa, e sim, uma rara exceção entre tantas opções. Em todos os momentos de sua vida como um homem forte, bonito e viril, David nunca se deparou com tantas qualidades e um só ser. O nome dela era Cassandra, porém só foi descobrir isso com dois meses de platonismos.
            Cassandra era realmente bela. Uma mulher simples e que não mantinha vaidades exageradas. Seus cabelos longos e ruivos formavam cachos nas pontas, juntamente com sua pele alva e decorada pelas pedras de esmeralda que eram os seus olhos. Uma boca pequena, porém não muito. De longe se mostrava uma mulher saudável e que cultivava o bem-estar consigo mesma. Era impossível olhar para ela e dizer que não era possível achar qualidades. David estava convicto de que poderia falar com ela, ao menos um pouco, e dizer algo que demonstrasse sua admiração.
            Ela era bibliotecária em uma avenida próxima, o que deixava David confiante de que poderia falar com ela mais facilmente. Apressou o serviço em seu trabalho para não se sentir pressionado e partiu para a biblioteca. Estava meio constrangido. Sentou em uma das cadeiras na sala principal da biblioteca e parou para observar a serenidade de Cassandra, que se encontrava no balcão, lendo um dos exemplares de F.V.Lorenze, um grande historiador. Sua concentração era fascinante, seus olhos rápidos para leitura eram mais atraentes do que vistos de longe. De repente parou sua leitura, porém David nem ao menos reparou nisso.
            Ela estava com os olhos fixos para David, enquanto o mesmo continuava a contemplar sua fisionomia e seu intelecto. Ficaram assim por minutos. Logo depois, Cassandra se dirigiu à mesa onde David estava sentado, deixando seu livro no balcão. Seus passos leves carregavam seu aroma estonteante para qualquer homem de nariz apurado e maravilhoso para um homem apaixonado. Se aproximou do vergonhoso David que agora disfarçava-se olhando para os lados e disse:
            -Posso ajudar, senhor?
            David ergueu os olhos para olhar de cima a baixo a moça alta.
            -S-sim, claro...
            -Diga.
            -N-não é que... David ficou extremamente envergonhado nesse momento.
            -É que eu estava cansado de andar e dei uma paradinha aqui para sentar... David sorriu para a moça como alguém que acabara de dar uma má desculpa.
            -Entendo, mas o senhor não tem interesse em ler algum livro ou algo parecido?
            -Ah, claro! David levantou-se rapidamente e com o rosto avermelhado. Andou apressadamente para qualquer estante e começou a passar os dedos sobre os livros organizados em ordem alfabética. Cassandra continuou a olhar o constrangido David e sentou na mesma mesa em que ele estava, continuando a observá-lo.
            Após alguns minutos de encenação, David voltou para a mesa com um dos exemplares de Jack Saints. Era um livro sobre paranormalidade e espiritismo, porém nem ao menos reparou nisso. Cassandra olhou o livro rapidamente e disse:
            -Se interessa por livros assim?
            David foi perceber o conteúdo do livro só naquele momento:
            -Ah sim, claro que sim... Disse ainda avermelhado.
            -Olha, não precisa se envergonhar só porque estou aqui, senhor.
            David se espantou com a capacidade de raciocínio de Cassandra, e logo depois disse, perdendo o constrangimento aos poucos:
            -Não estou envergonhado moça, só estou um pouco confuso!
            -Confuso?! Você parece um adolescente com vergonha de pedir uma menina em namoro...
            David engoliu em seco.
            -Se quer me ter, terá que agir como homem...
            David ficou mais confuso do que já estava, nunca poderia esperar tais palavras daquela mulher.
            -P-por que está me dizendo isso moça...?
            -É simples, tenho interesse em seu corpo. Acho que pode ser bastante útil para as minhas experiências.
            -Como assim? Que tipo de experiências?
            -São experiências que faço com homens bem aparentados, normalmente por meio de sexo ou masoquismo...
            -MAS QU...
-Não grite, está em uma biblioteca...
O diálogo cessou por alguns instantes enquanto David olhava para Cassandra, inconformado com tais palavras.
-Mas que tipo de mulher é você? Disse David retomando o diálogo.
-Sou uma mulher como qualquer outra, só tenho algumas manias inconcebíveis para muitos homens. Acho que você é um deles...
-Eu apenas quero saber que tipo de experiências são essas!
-Quer mesmo saber?
-Claro! Afinal você quer fazer isso comigo...!
-Então siga o endereço nesse papel.
Cassandra tirou um pedaço de papel de seu bolso e deu para David. O conteúdo era:

“Rua 12, beco 3”

-Te vejo lá garotão...
E saiu da biblioteca.
            David leu o papel e concluiu com grande sarcasmo que era uma informação ridícula. Correu para a saída da biblioteca para tentar alcançar a mulher misteriosa, porém não estava mais ao alcance de seus olhos.
            Andou alguns metros em busca de pistas para saber que tipo de coisa aquele endereço estava relacionado, sendo que nada tinha relação com becos enumerados. Cansado de procurar, voltou para seu apartamento e ficou pensando por horas. Ele queria matar sua curiosidade sobre o que acabara de ser invitado, porém não tinha certeza do que poderia encontrar se seguisse aquele endereço. Aquele convite feito de uma maneira tão rápida era o que mais preocupava seus pensamentos, assim, ficando cada vez mais indeciso sobre o que fazer. Então adormeceu.
            Enquanto adormecia, seus olhos se fechavam de uma maneira anormal. Eles carregavam um peso maior, mesmo quando a exaustão vinha de maneira avassaladora, David nunca havia sentido tamanha dor ao fechá-los, era como se algo estivesse impedindo que ele os fechasse. Depois de algumas horas tentando, inutilmente, adormecer e esquecer a proposta de Cassandra, ele sentiu a dor de seus olhos se espalhar pelo corpo inteiro. Suas pernas, seus braços e sua cabeça doíam intensamente, porém uma parte de seu corpo doía bem mais que as demais: seu coração.
            Entre tantas tentações que os homens encontram em suas vidas, é difícil identificar uma que atinja o coração diretamente. Muitas delas, se não todas, são voltadas apenas para o corpo e para as relações sexuais, porém poucas faziam o coração bater mais rápido de forma a doer. Sua respiração ficava cada vez mais rápida, sentindo a necessidade de puxar um pouco do ar que ainda restava em seu apartamento, logo, seu corpo começou a tremer. Sua cabeça estava para explodir e seu coração bombeava litros de sangue em alta velocidade. Ele saiu de sua cama e começou a correr pelo apartamento freneticamente, como se estivesse procurando algo para aliviar sua dor. Ao tentar alcançar um copo d’água, sua visão começou a embaçar e tudo ao alcance de seus olhos assumiu uma forma estranha, tudo se assemelhava a demônios, que queriam arrancar suas roupas, arrancar seus membros e levar os restos para o inferno. Porém tudo isso acontecia apenas em sua mente.
            Até que tudo parou. A respiração, a dor no corpo, o ataque epiléptico e por fim, seu coração parou de bombear seu sangue. Seu corpo foi ao chão. Muitos concluiriam que sua morte foi por uma overdose ou algo do tipo, porém aquele momento súbito que antecedera sua morte tinha outro significado. Alguns minutos depois, seus braços começaram a sustentar o peso do corpo, ele estava se levantando novamente. Suas pernas ainda tremiam um pouco, mas ainda foi o suficiente para se manter em pé. Apesar de se levantar, seus olhos não tinham o mesmo brilho de antes, olhava para o horizonte, porém não via nada além de vultos e sombras. Estava inconsciente.
            Seus pés o guiavam para algum lugar, cada movimento de seu corpo era involuntário. Andou alguns metros e foi até a janela de seu apartamento, que se encontrava no décimo andar de um edifício conhecido. Subiu na soleira e caiu de lá. Seu corpo caía, porém não sentia a mínima vontade de gritar ou ir contra aquele momento, apenas caiu. A queda foi extremamente assustadora, as pessoas que estavam por perto correram para tentar socorrer o corpo caído de David, que ainda não havia morrido, continuava com os mesmos olhos. Levantou-se e continuou a andar. As pessoas olhavam para David, ensanguentado e cheio de feridas, porém ele não devolvia o olhar. As sombras começaram a se movimentar loucamente à sua frente, e logo começaram a lhe agarrar. Seus braços balançavam para frente, seguindo o movimento involuntário de suas pernas quebradas. Se estivesse consciente, nem ao menos conseguiria ficar de pé, ou melhor, estaria predestinado a morte a partir do momento em que caiu da janela de seu apartamento. A cena era macabra e uma das mais assustadoras das quais aquele público já vira.
            O sangue escorria de suas mãos. As gotas ficavam marcadas no chão e coagulavam ali. Seus passos foram ficando cada vez mais lentos, talvez já estivesse sentindo a dor, mas ainda continuava a andar. Até que seus passos foram interrompidos, subitamente. Uma voz ecoava pelos cantos das ruas. Apesar do intenso barulho que aquela cidade fazia durante a noite, David conseguia ouvir apenas aquela voz, causando-lhe uma intensa curiosidade. Começou a correr para alcançá-la, porém caiu. As suas pernas não permitiam mais qualquer tipo de movimento. Uma estranha determinação emanava do semblante de David, logo, começou a se arrastar como um louco. Seus braços começaram a perder os ligamentos, seu corpo já não tinha utilidade. Sua mente descontrolada tomou conta de todas as suas ações, apenas os seus pensamentos sem sentido monitoravam os seus esforços. A voz continuava a chamar o seu nome e pedia sua presença com as seguintes palavras: “Venha até mim, descarregue seus desejos em mim, derrame seu sangue sobre meu corpo, continue a se arrastar e busque a minha alma.”
            David não suportou a dor, mesmo estando inconsciente. Adormeceu novamente.
            Uma sombra com uma forma diferente caminhou em sua direção, carregando uma foice de cor escarlate. Seu corpo e alma não estavam mais no mundo em que costumava viver. A sombra carregava o corpo adormecido de David através do cabo curvado de sua foice. Após alguns metros de caminhada, a sombra deixou o corpo de David cair no chão. Ele abriu seus olhos. Não estava mais inconsciente nem coberto por feridas, porém não conseguia deduzir onde estava. O lugar era totalmente escuro e sombrio, sem iluminação. A única luz que iluminava aquela dimensão vinha de uma chama de emanava das mãos da sombra.
            A sombra começou a tomar uma forma definida. Seu corpo tinha a forma de uma mulher. Os cabelos longos e ruivos, a pele branca e pálida, os olhos verdes e sem vida, estava nua. Virou-se e observou o confuso David por alguns instantes. Apenas os dois estavam naquele lugar sem luz, sem ar, sem comida, sem sentido. A mulher, estendendo sua mão, disse:
            -Vejo que minha experiência foi um grande sucesso...
            David olhou para a mulher com espanto. Não queria que ela fosse Cassandra, a mulher com a qual tinha conversado no mesmo dia.
            -E-Ei...
            -Não se preocupe, não tem motivos para se preocupar, está seguro agora...
            -Seguro? Do que está falando, que tipo de lugar é esse? E quem é você?!
            -Você é um verme mesmo... Se quer mesmo saber, a única coisa que posso dizer é que está morto.
            David engoliu em seco.
            -Morto? Como assim?
            -Você acabou de passar por uma projeção astral. Você poderia até ter escapado, se não tivesse dormido naquela hora...
            David ia soltar uma torrente de perguntas para a mulher naquele momento, porém foi interrompido assim que a mulher estendeu a mão para ele.
            -Vamos, é hora de se despedir da sua mente.
            A mulher ergueu o corpo de David assim que tocou em sua mão. Executou um corte horizontal com sua foice, na altura de seu pescoço, decapitando David. Assim que executou o corte, os dois foram transportados para uma outra dimensão.
            Nessa dimensão, Cassandra estava sentada em uma pedra, dessa vez estava vestida com um manto negro. Carregava em suas costas a mesma foice, e em sua mão estava a cabeça de David. O homem estava acorrentado e totalmente preso. Cassandra pegou sua foice e apontou para o sexo de David:
            -Tão lindo...
            David estava novamente inconsciente, não dizia sequer uma palavra. Ajoelhado e preso, era apenas um escravo. Á sua volta, outros homens eram molestados por outras mulheres de manto negro. Aquela dimensão era a forma espiritual do mundo dos desejos, onde cada homem que se entregava inteiramente ao sexo era preso e usado, porém tinha que passar por uma morte horrenda.
            Cassandra tirou seu manto e perfurou o corpo de David com o cabo de sua foice, deixando-a suspensa. Sua pele era áspera e fria. Beijou-o de forma a arrancar seus lábios com mordidas violentas. A pele de David era rasgada a cada golpe que Cassandra desferia com suas unhas enormes e sujas. Após algumas horas de tortura perversa, Cassandra deitou o corpo de David em um solo áspero e quente, acorrentando-o novamente. Após retirar suas roupas, a mulher fez da genitália de David apenas um instrumento de diversão, um brinquedo pessoal. Sentia prazer, mas queria torturá-lo ainda mais. As entranhas de Cassandra eram espinhosas, a cada movimento que fazia sobre ele, gotas e mais gotas de sangue eram derramadas. Era uma cena de sexo dantesca. Apenas Cassandra gozava com aquele momento, enquanto o corpo de David era queimado sobre a pedra aquecida por lava.
            Tal cena era repetida a todo momento. Ás vezes Cassandra intensificava as torturas comendo os órgãos dele. Ao final de cada ciclo, o corpo de David se regenerava. Com o tempo, David foi recuperando sua consciência, porém não conseguia sair de lá. Estava preso ao destino de ser torturado e molestado pela eternidade.
            O mesmo acontecia com os homens que acabavam de chegar. Mulheres que aparentavam ser maravilhosas no mundo conhecido, mas que possuíam um instinto demoníaco e obscuro. Eram apenas realidades desconexas, algo sem sentido, prazeroso e mortal.



Por: Anderson V. do Nascimento

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