sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Núpcias Sangrenta (10/01/15)



Núpcias Sangrenta

            O canto dos pássaros anunciava o início de um novo matrimônio. Não era necessário que estivessem em um altar e cercados por pessoas desejando-lhes anos maravilhosos de união, pelo contrário, estavam naquele lugar sozinhos e totalmente desorientados.
            As ruas não aceitavam mais que algum ser estivesse vagando em busca de diversão. A madrugada fria e solitária fazia com que muitos achassem abrigo, um momento de descanso para pessoas que não possuíam lar. Porém, ainda há pessoas que buscam algo a mais, um preenchimento peculiar de seus nobres e incompreensíveis corações.
            John caminhava lentamente sobre o asfalto, como se estivesse procurando um lugar para encostar-se. Sua perna estava ferida em diversos pontos, podíamos dizer que estava quebrada, entretanto o homem ainda mantinha-se em pé. John perdia um pouco de sua determinação a cada passo que dava, o que lhe fez ceder lentamente. Seus movimentos limitaram-se a passos curtos e cada vez mais dolorosos, perdendo a locomoção de sua perna direita.
            Seu corpo caído não chamava a atenção de ninguém. Os mendigos não se importavam com pessoas miseráveis, afinal, todos eles já tiveram que passar por situações semelhantes, seja fisicamente, seja mentalmente. John não tinha forças para chamar alguém, ele poderia ter ligado para os bombeiros ou chamar uma ambulância, pois estava com o celular no bolso direito, porém não o fez, fechando os olhos lentamente. Até que John identifica alguém caminhando em sua direção. Percebeu que essa pessoa não estava descalça, afinal, cada passo ecoava pelos becos e pelas ruas desertas. Essa pessoa cessou os passos e observou, de perto, o corpo caído de John, estendendo sua mão para ele.
            O moribundo não reagia, apenas chocava a sua cabeça com o asfalto toda vez que tentava erguer-se. A mão estendida tocou em seu queixo, levantando sua face para cima. Era uma mulher. Seu olhar de desprezo expressava todo tipo de sentimento repulsivo, ao mesmo tempo em que expressava culpa por não ter encontrado aquele homem mais cedo. Ela o levantou, de modo a carregá-lo em suas costas. Caminhou alguns metros com ele e abriu uma porta.
            Ela descansou o corpo de John em um sofá, logo retirou sua roupa e apanhou uma toalha. Estava nua, porém não se importou com o homem em sua casa, mostrando uma maturidade distinta das demais mulheres que John vira até ali. Seu nome era Suzan.
A desinibida mulher foi em direção ao banheiro, deixando a toalha suspensa na maçaneta, girou o registro do simples chuveiro e permitiu que a água morna tirasse as impurezas adquiridas durante o dia. Os cabelos ruivos de Suzan eram longos e lisos, apesar de molhar com água morna todos os dias. Sua pele macia e perfumada fazia um imenso contraste com os olhos negros e vivos. Seu corpo perfeito era apenas um convite para conhecer a mulher que existia no seu interior.
Suzan era dançarina em uma boate de strip-tease. Arrecadava quantias proporcionais a sua incrível habilidade de sedução, chegando a faturar mais de três mil dólares por noite. Ela poderia ser uma das socialites de sua cidade, porém, todo o dinheiro que conseguia era destinado à uma instituição de caridade fundada por ela mesma. Sua benevolência era algo questionado pelos homens que pagavam para ter uma dança sensual.
Enquanto seu corpo era enxaguado, Suzan ouviu os passos silenciosos de John. O homem, antes impossibilitado de se movimentar, estava ali, parado à porta do banheiro observando-a tomar banho. Suzan fechou o registro e pediu a toalha para John. Logo depois, disse com as seguintes palavras:

-Você está bem sujo rapaz... Venha, tome banho comigo.

John estava coberto de sangue. Além de suas pernas, seu corpo inteiro passava uma intensa sensação de insegurança, porém, tal insegurança estava relacionada com o tempo em que ele poderia se manter vivo. Ele retirou suas roupas ensanguentadas e lançou-as em um cesto, direcionando-se ao corpo nu de Suzan. Ambos, de início, não tinham segundas intenções, cada gota de água provocava uma ardência insuportável nas feridas de John. Suzan ajudava-o a erguer-se todas as vezes que desequilibrava suas pernas. A mulher ensaboava suas partes íntimas, enquanto ele limpava as feridas na perna com uma esponja umedecida. Não sentia prazer com o gesto de Suzan por dois motivos: ambos não estavam interessados em sexo, além disso, a dor tomava conta do corpo dele de modo a substituir qualquer sensação que possa provocar felicidade.
Suzan fechou o registro novamente após John ter sido livrado do sangue que o cobria. Ambos olharam-se intensamente por vários minutos. Realmente, era impossível não ceder às tentações. Enquanto o sangue escorria pelo ralo, Suzan era tomada por uma intensa sensação de prazer e de euforia, os movimentos rápidos e violentos de John em seu ventre eram as carícias mais sinceras que já recebera.
O canto dos pássaros à luz da alvorada era um símbolo de que não iriam se separar tão facilmente.
Após alguns meses, Suzan e John ainda estavam juntos. A vida noturna de Suzan continuava a sustentar a instituição de caridade, enquanto John saía todas as noites sem dar satisfações para sua mulher. Isso poderia causa um conflito entre os dois, porém, Suzan não se via no direito de cobrar explicações de seu amante. Sempre terminavam a madrugada embaixo dos lençóis, entre gemidos e orgasmos múltiplos.
Certo dia, antes de amanhecer, Suzan acordou o adormecido John, sussurrando as seguintes palavras:
-Você sai todas as noites sem me avisar nada. Por mais que você seja um adulto, fico preocupada com o que pode vir a acontecer com você. Tenho medo de que possa acontecer algo parecido com o que aconteceu na primeira vez em que eu te encontrei, John. Disse Suzan com uma comovente sinceridade.
Ele pensou por alguns instantes, logo depois, olhou bem no fundo dos olhos dela, de modo a propor uma promessa.
-Suzan...
-S-sim? Respondeu espantada com a atitude de John.
-Quero prometer algo com você.
-Diga... Disse Suzan após dobrar a sua atenção.

John agarrou sua mão direita, ainda deitado, e disse:
-Vamos casar, e após isso, largaremos tudo para vivermos totalmente juntos!
Suzan ficou perplexa.
-Ca-casar?! Ficou maluco? Como acha que vou sustentar minha instituição sem a vida que eu levo?
John encostou sua mão na bochecha direita de Suzan dizendo:
-Tudo o que precisamos será garantido após o nosso casamento, apenas confie em mim.
Antes de Suzan contestar novamente, John beijou-a de modo a silenciá-la. A mulher aceitou o gesto lentamente, aceitando de fato, a promessa feita pelo seu amado.
Os dias demoravam cada vez mais. Suzan continuava a temer a vida que ela levaria após casar-se com ele, apesar de querer muito isso. Um dos seus maiores sonhos consistia em conquistar o marido perfeito para largar a vida de dançarina. John não trabalhava durante o dia, porém saía misteriosamente de casa todas as noites.
O dia tão esperado chegou, Suzan estava desistindo da ideia, porém aceitou de bom grado após John ter preparado o casamento de uma forma desconhecida. A igreja estava toda arrumada. Havia flores em todos os cantos do templo. Um tapete vermelho cobria o caminho que seria feito até ele. Apesar de não saber como aquilo era possível, Suzan continuou a caminhar, acreditando no sonho que acabou virando realidade.
Suzan não estava vestida como uma noiva, pelo contrário. Um vestido branco sem cauda cobria o seu corpo antes virgem. Se vestir como uma noiva era uma hipocrisia para ela, por isso preferiu estar trajada ao seu gosto. Os convidados iam de parentes que ainda a consideravam aos funcionários de sua instituição.
A cerimônia foi magnífica. Ela e John trocaram beijos e champanhe por toda a noite antes de passar a lua de mel.
“Lua de Mel” que mais tarde passou a se chamar “Lua de Sangue”. John abriu a porta da casa enquanto carregava Suzan no colo, deitando-a no sofá. Ela estava adormecida, porém, acordou após alguns minutos. John estava olhando para ela enquanto enchia uma taça com vinho tinto.
-Que bom que acordou querida.
Suzan levantou-se, de modo a sentar no sofá. Logo depois disse, ainda sonolenta:
-Para quê o vinho?
-Para a nossa lua de mel, certo?
A mulher negou a bebida, apesar de John ainda insistir. Ele apanhou uma cadeira de plástico e sentou diante de Suzan, ainda com as taças de vinho na mão.
-Não é uma questão de querer beber ou não, é só para discutirmos sobre a nossa promessa. Disse John seriamente.
Suzan lembrou-se do que não queria.
-Ainda com isso? Por que não podemos continuar vivendo da maneira como estávamos?
-Porque somos marido e mulher agora, não dois animais em busca de sexo.
            Suzan se calou. As palavras de John penetraram o seu coração de forma a culpá-la. Ela afirmou a promessa no final da conversa.
            -Agora beba, vamos assiná-la com um brinde. Disse John erguendo sua taça.

            Suzan tomou o vinho com os olhos cobertos por lágrimas.

            Ambos adormeceram lentamente, porém John caiu primeiro. Suzan sentiu que havia algo de diferente na bebida, mas achou que não era algo com o que se preocupar, apenas tomou e dormiu ao lado de seu marido.
            Após algumas horas, Suzan foi a primeira a acordar. Estava ao lado de John, esperando que este acordasse junto a ela assim como as outras manhãs. Porém, isso não aconteceu naquela manhã.
            Talvez, o quarto escuro daquela noite não permitiu que Suzan visse a cena que a rodeava. Enquanto bebia o vinho, não se deu o trabalho de acender a luz para arrumar a casa. Havia um painel na parede com fotos desorganizadas. Aproximou-se do painel e uma imensa dor atingiu o seu coração. Havia pessoas mortas em todas elas, algumas extremamente deformadas, outras decapitadas, outras nuas. Suzan rasgou cada uma delas até encontrar um pedaço de papel com uma frase escrita na caligrafia de John. Enquanto lia, Suzan começou a perder a respiração e os movimentos do corpo. Da sua boca saíam litros de sangue, seus olhos acinzentaram-se e logo faleceu.
            O papel tinha a seguinte frase:

            “Dedicado à minha querida Suzan, a primeira mulher que amei, a última mulher que matei.”



Por: Anderson Vieira do Nascimento
           

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