Menino de rua
Desci a rua pra ver se achava ele andando por aí. Procurei na esquina no final da avenida, no ponto que o drogado costuma vender as pedras. Lá estava ele e o drogado, e meu pai não parecia muito satisfeito com o que o cara disse. Assim como minha mãe, o meu pai não gosta de ficar sem usar a pedra por muito tempo. O dia já tá na metade, e eu queria tanto comer um prato com arroz e feijão. Eu fico andando pela calçada quente, com os pés descalços e a mesma roupa de sempre. Ás vezes, papai me manda arrumar dinheiro, então saio pela rua pedindo pras pessoas que eu acho que tenho dinheiro. Muitas não me dão. Eles devem saber que meus pais pegam o dinheiro de mim e usam pra comprar droga.
Um dia, um moço bem legal me deu dez reais. Eu saí todo feliz, mas quando vi os meus pais me esperando eu fiz uma coisa diferente: fugi. Eu corri o tanto que eu podia, depois passei numa padaria e comprei salgadinho. Tava tão bom... Era um tal de "Cebolitos". O resto do dinheiro eu usei pra comprar pão e ainda peguei uma caixa de leite. Se eu levasse para a minha mãe, ela ficaria muito feliz e poderia comer comigo e com meu pai. Ao chegar no ponto, ela e meu pai só perguntaram pelo dinheiro. Eles jogaram os pães e o leite no chão e me bateram na frente de todo mundo.
Pelo que vejo agora, o drogado não quer soltar a pedra pro meu pai. Eu posso ver algo brilhando na cintura do cara. Meu pai tava forçando o braço do cara pra ele soltar a droga, então meu pai acabou dando um soco na cara dele. Ele deu alguns passos pra trás e meu pai saiu correndo depois que pegou a droga no chão. Ele perseguiu o meu pai, porém ele tirou a coisa brilhante da cintura e conseguiu parar os movimentos dele. Papai correu mais um pouco, mas ele caiu. Papai estava gritando. Corri para ajudar o papai, mas ele nem se importava comigo ali, ele só sabia gritar e pedir socorro. Eu queria tanto ajudar... Mas minhas mãos estão muito manchadas de vermelho, não quero sujar o meu papai mais do que ele já está.
Uns caras chegaram na esquina em um carro vermelho com uma sirene em cima. Eles tentaram acalmar o papai, mas ele continuava gritando. Os caras pegaram um pano branco e enrolaram na barriga do meu pai, mas mesmo assim ele continuava gritando. Um dos homens trouxe um tipo de placa amarela e deitou o meu pai em cima dela, e dessa vez ele não estava gritando tanto. Eu não fui pra perto do carro, mas fiquei com medo de que meu pai não voltasse para mim depois que o carro partisse.
Ele não voltou.
-Conto inspirado em um assassinato ocorrido nesta terça-feira em Taguatinga, no qual um morador de rua morreu com uma facada nas costas após um acerto de contas. O morador morreu a caminho do hospital da Ceilândia, já que o hospital de Taguatinga não possuía mais vagas.
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