Não olhe para trás
Acordo com a mente pesada e nitidamente exausta. Passei horas em frente ao computador, preparando relatórios e enviando e-mails para pessoas importantes para a minha ocupação, já que sou gerente de uma grande corporativa. Meus olhos não obedecem a minha vontade de mantê-los abertos, quero a todo custo descer as escadas da minha casa e me dirigir à cozinha para comer algo.
Antes de descer, devido ao atordoamento dos meus pensamentos, me dou conta de que o dia ainda não deu sinais de que está próximo. Ligo rapidamente o meu notebook e me deparo com o relógio de tela marcando duas horas da manhã. Ainda tenho aproximadamente cinco horas de sono. Fechei o computador e abri a porta do quarto para ter acesso às escadas.
Todas as luzes estavam apagadas. A escada é feita de madeira e recentemente tenho pisado nos degraus e reparado nos ruídos que ela faz. O interruptor para a lâmpada acima de mim está na parede oposta ao meu quarto, então em apenas uma tentativa eu consigo sentir o botão para eu acender a luz. Mas a lâmpada não acendeu. Era uma lâmpada novíssima, não havia como ela estar queimada naquele momento. Sou um homem muito prevenido, por isso sempre desço as escadas com os degraus sob a luz, para não correr o risco de cair e me machucar gravemente, ou fatalmente.
Volto ao meu quarto para pegar o meu celular e usar a lanterna embutida. Entretanto, o celular não estava na estante onde eu havia deixado. Através do tato e totalmente cego devido ao escuro, (meu quarto possui apenas uma janela na parte superior da parede do fundo) tento encontrar de maneira vã o meu aparelho. Enfim resolvo arriscar descer as escadas sem luz alguma para me guiar.
Assim que pisei no primeiro degrau para descer, senti certa insegurança. Era como se os meus sentidos estivessem sendo monitorados por alguém além de mim. Além de não enxergar os objetos à minha volta, minha audição estava confusa, pois o único som que eu escutava era dos meus batimentos cardíacos.
Tum... Tum...
Foram os últimos sons que pude identificar antes de contemplar o absoluto silêncio. Ao menos eu conseguia me mover o suficiente para descer a escada pelo corrimão. Desci degrau por degrau, entretanto os ruídos da escada não me incomodavam mais, parecia que havia sumido. Assim que toquei o meu pé direito no chão, todas as luzes da casa acenderam-se. A televisão ligou juntamente às lâmpadas e o noticiário informava o Blackout que acabara de acontecer na cidade.
Tomei um copo com água e mordi uma fruta, ou melhor, comi uma maçã. Desliguei a tevê a apaguei a luz da sala. Assim que deixei o copo na pia, me dirigi ao interruptor para apagar as luzes da cozinha. Porém não foi preciso que os meus dedos tocassem no interruptor. "Outro apagão?", me perguntei.
Subi as escadas e a luz não voltara. Me aproximei da porta e ouvi algo além do giro da maçaneta. Meus passos subitamente tornaram-se lentos. O tempo havia parado naquele momento para mim. Minha audição começou a falhar, pois o silêncio da casa deu lugar a um chiado inexplicável. Não parecia que a televisão havia sintonizado em um canal inexistente, parecia algo bastante humano. Algo como uma respiração. Minhas mãos não se mexiam mais e a maçaneta da porta do quarto estava cada vez mais distante. Meus pés, imobilizados, não obedeciam ao meu desejo de caminhar em direção à cama para o meu descanso.
Arf... Arf... Arf...
A respiração estava cada vez mais audível, e não parecia ser algo humano mais. Seguido disso, escutei ruídos consecutivos e pausados, porém muito familiares. A madeira da escada estava sendo pisada. Alguém está subindo as escadas e não tem pressa alguma. Não era possível que algum ladrão havia entrado naquele momento, afinal a minha casa é praticamente uma fortaleza doméstica.
O ruído das escadas cessou. Me pergunto se esse ser subiu todos os degraus e está esperando eu me virar para encará-lo. A respiração estranha cessou e os meus músculos estavam voltando à vida. Naquele momento, apenas eu, o silêncio e alguém na beira da escada estávamos ali. Lentamente os meus olhos guiaram-me em um movimento de cento e oitenta graus, logo depois os meus pés. O que vi...
Não vi, apenas ouvi, o silêncio novamente e o som aliviador das minhas batidas cardíacas voltando ao normal...
Tum... Tum...
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