O ganha pão (16/01/15)

O ganha pão

          

           Com uma vontade surpreendente de trabalhar, a caneta rabisca o papel em sua velocidade máxima! Bom, era o que eu diria se aquele médico na minha frente estivesse mesmo com vontade de trabalhar. Eu com certeza acharia um absurdo esse tipo de atitude, ainda mais vinda de um funcionário que sabe da sua obrigação. Entretanto, nem sempre o que achamos que seja... É de fato. Mas eu tenho certeza que ele não estava satisfeito, pode ter certeza.

        A consulta se seguiu da seguinte maneira:

        _Oi, Doutor. 

        _Olá. Então, pode me dizer o que te traz aqui?

           Nossa, que rigidez... Enfim, respondi:

          _Eu venho sentindo dores pelo corpo, e a minha respiração está cada vez mais dificultada. Vomito periodicamente e minha tosse parece não ter fim.

            _Entendo. Bem, eu poderia te dispensar dizendo que é apenas uma virose, mas não vou fazer isso dessa vez. Então, me responda uma coisa, pode ser?

           

             Eu pensei que ele deveria ser clínico geral, não psicólogo! Ele perguntou:

            _Alguém te mandou aqui?

         _Como assim? Eu estava piorando e resolvi ir até o hospital para alguém competente me dar as informações que preciso!

            _Tudo bem rapaz, se acalme, eu vou te passar a bendita receita. Eu só queria que...

        Ele lentamente se levantou da cadeira e logo percebi que eu não era o único enfermo na sala. Observando seus movimentos mais que cautelosos, não pude deixar de notar o quanto ele estava desmotivado. Ele continuou a frase:

         _Eu só queria que alguém confirmasse o que eu tenho que fazer aqui, porque até hoje eu não descobri a minha verdadeira utilidade.

           Meu Deus, que depressivo. Eu contestei:

          _Mas você é médico, e tenho certeza que não sou o único paciente que esteve aos seus cuidados. Com certeza você ajudou muita gente!

           Ele me olhou por um instante, como se fosse desmoronar em lágrimas. Mas para minha surpresa ele apenas sentou na cadeira e arrancou um papel de receita junto ao bloco. Escreveu alguns medicamentos e procedimentos e me entregou.

           Quando eu estava para sair da sala, ele me chamou pelo nome. Assim que eu me virei, eu me deparei com alguém que não estava se sentindo muito bem. Mas ele é médico, vai ficar bem!

           _Obrigado garoto, você abriu meus olhos. Se cuida.

           _Tudo bem Doutor, obrigado!

           E saí da sala.

           Algumas semanas depois, resolvi voltar ao hospital. O tratamento receitado pelo médico não teve os resultados esperados, então eu achei conveniente voltar e pedir outra consulta. Porém assim que eu cheguei ao portão principal, o guarda que estava na porta me abordou:

           _Espera meu rapaz! Você não ficou sabendo que tá todo mundo em greve?

           _Greve? Claro que não sabia, eu tô doente!

           _Pois então vai ter que esperar outro dia, porque agora só tem um médico atendendo.

          É verdade. O noticiário sempre falava sobre pagamentos atrasados para servidores públicos, mas não sabia que a situação estava tão grave... 

        Resolvi esperar mais um pouco na porta, com aquele guarda me encarando e esperando eu tentar "invadir" o hospital. 

          Depois de determinado tempo, um homem com jaleco e estetoscópio saiu pela porta de emergência. Ele estava bastante apressado, e assim que a ambulância estacionou na portaria, o médico ajudou os outros paramédicos a descerem o paciente imobilizado na maca. 

          Eu apenas observei  a cena, com um sentimento de orgulho por aquelas pessoas. Era como se fossem heróis! Encarei a receita e percebi que não tinha obedecido algumas recomendações... Apenas voltei para casa e fiquei recordando o momento em que aquele paciente era atendido. E percebi:

           Aquele médico não estava mais desmotivado.