Os cabelos ondulados esvoaçavam enquanto
o vento ultrapassava aquela janela sem pedir licença. Os braços cruzados e
apoiados na base da abertura na parede. O olhar fixo para o horizonte e
estático como uma estátua. A pele morena, sensível e limpa na medida do
possível. O rosto jovem, certo de que estaria para ver muitas coisas a partir
daquele momento. A boca que não se movia, dividindo espaço com as maçãs
espessas do seu semblante.
Não estou descrevendo uma boneca
namoradeira, mas um ser humano incerto de suas perspectivas e inspirações. Mesmo
em um momento de reflexão tão profundo como esse, nada impede que alguém
interrompa. Ainda com os ouvidos ligados, ela pôde escutar as batidas na porta.
De volta à realidade, dirigiu-se à porta e abriu o suficiente para que outra
mulher pudesse entrar.
_O que você tem? Fica se escondendo
das pessoas desse jeito! Disse a mulher que entrou, sentando-se na cama de
solteira.
_Prefiro ficar aqui para pensar um
pouco. Disse a moça da janela, bastante neutra.
_Se você ficar presa desse jeito vai
ser pior, escute o que a sua mãe diz.
_Tudo bem, vou tentar ficar mais
calma.
_Olha lá hein... Disse a mãe da moça
levantando-se e abrindo a porta.
_Fica calma filha, a qualquer
momento ele vai aparecer, afinal é amanhã! E saiu, deixando a porta aberta.
A moça estava mais tranquila depois
da conversa que teve com a mãe. Pelo desânimo, as roupas que deveriam ter sido
dobradas estavam espalhadas pela cama, mas antes de dobrá-las ela decidiu por
lavar a louça antes. A cozinha como sempre estava uma bagunça, ou melhor,
sempre que a mãe sai na sexta-feira para cuidar dos assuntos da igreja,
raramente alguém se dispõe a lavar a louça a pós a refeição ou passar um pano
molhado no chão. Entre uma família numerosa, a moça da janela era a única
fanática por limpeza e organização.
Ela apanhou um trapo de roupa, levou
à pia de plástico para deixá-lo bem molhado e o prendeu no rodo. Antes de
esfregar, arregaçou as mangas, dobrou a barra da calça jeans e com toda
disposição começou a repetir o movimento de braços enquanto dispersava a
sujeira para os cantos da cozinha. A cada passagem do rodo, a moça recolhia o
pano para torcê-lo do lado de fora da casa. Sempre após o almoço, as sujeiras
mais presentes no chão eram as pegadas de vários pés em volta do fogão a gás.
Depois de uma boa limpeza no chão,
estava na hora de organizar as panelas e lavar a louça para guardá-las. Ela pegou
o sabão em barra e friccionou com a bucha vegetal. Com uma boa umedecida,
rapidamente ela esfregou a bucha nos pratos, nas colheres e nos copos. Enxaguou
cada peça, secou cada uma com o pano de prato e guardou com muito carinho e
acessibilidade para a próxima refeição.
Em casa estavam apenas ela e os seus
três irmãos de sete. Na televisão, o apresentador do programa de auditório
anunciava a próxima atração, o que não era do interesse da moça da janela
naquele momento, voltou ao seu quarto para dobrar as roupas que ela mesma tinha
lavado. Sentou-se na beira da cama e lentamente manuseava as mangas das camisas
e as pernas das calças. Empilhando cada uma das peças, às vezes ela se deparava
com alguma bem familiar.
Existem objetos que não nos
pertencem, entretanto a maioria deles nos faz recordar do seu dono. Por exemplo,
se conhecemos alguém que adora flores, é perfeitamente normal que nos lembremos
dessa pessoa toda vez que vemos flores, ou na maioria das vezes que vemos. Enquanto
ela dobrava as camisetas dos homens da casa, havia uma dessas camisetas que não
pertenciam a nenhum dos seus irmãos ou do seu pai.
Era uma camisa verde de manga longa,
com colarinho e com botões. Enquanto ela dobrava, ela podia sentir o cheiro que
só aquela camisa tinha. Ela apertou a camisa no peito, como se o dono daquela
camisa estivesse ali, observando a moça dobrar as roupas. Com muito carinho ela
dobrou a camisa e depositou na gaveta juntamente com as outras.
Poucas coisas agradavam a moça para
passar o tempo. Às vezes as únicas ocupações que ela tinha durante o dia eram
as atividades domésticas. Ela não gostava de ler, muito menos de escrever. Infelizmente
não era uma obrigação para a família o fato de saber ler e escrever,
principalmente para as mulheres numa família que primava pelo trabalho na vida
rural. Ela era uma cozinheira de mão cheia, mas a comida já estava feita. O que
fazer então? Observar o mundo pela janela.
Mas o que tinha de tão interessante
em olhar o movimento de uma rua? Ainda mais em um município que só existe por
causa da ocupação de pessoas ao longo de poucas décadas? Eu confesso, não há
nada melhor para fazer durante um momento de ócio. Por mais que seja um pedaço,
por onde passam pessoas também passam outras vivências, diferentes épocas que
se encontram em um trecho de barro ou asfalto. As crianças, no começo da vida,
brincam da maneira que mais lhes proporcionam prazer. Os adultos cuidam das
suas obrigações e os idosos que fazem o mesmo e de quebra ainda dividem suas
experiências.
E os jovens, o que fazem nesse
pedacinho de mundo? Bem, eles pensam demais no que o futuro reserva a eles. Para
impedir que esses pensamentos atrapalhem suas vidas, é necessária uma atitude
imediata. Alguns arrumam um trabalho, outros investem na formação profissional.
E outros se casam.
A moça da janela, uma jovem, tentou
evitar que os pensamentos sobre o futuro atrapalhassem a sua vida, então ela
escolheu observar o mundo pela janela. Não estudou, não trabalhou. Dessa vez, o
olhar estava fixo no horizonte, mas o horizonte devolvia o olhar. Nessa devolução,
uma pessoa vestida de branco, pele morena, cabelos ondulados e uma tiara de
flores parecia dizer: “Você está linda!”.
Dessa vez, a moça da janela não
observava o mundo. Todos apreciavam a sua partida, podendo apenas ver aquela
moça que estava por trás da janela. Uma noiva e um noivo. Uma mulher e um
marido. A moça da janela e o dono da camisa verde de botões.
Very bom, Anderson.
ResponderExcluirMuito obrigado.
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