Ao atravessar a “porta” do esconderijo,
o chefe da família levantou seu focinho como alguém que tenta passar uma
mensagem. De alguma forma os outros membros da família entenderam aquele sinal
como um “Sigam-me!”. O chefe voltou a sair do esconderijo e um a um daquela
numerosa família também saía, seguindo os passos e tomando cuidado para não
perder a fila. O recomendado seria que a fila se mantivesse perfeita durante
todo o trajeto, mas infelizmente não foi bem assim. Aqueles seres gigantes
assustaram aqueles pequenos seres e não permitiram a união de todos eles
durante todo o percurso. Alguns seguiram o caminho sozinhos, outros conseguiram
ficar em duplas durante pouco tempo, logo depois continuaram sozinhos.
O destino pretendido pelo chefe da
família estava para ser alcançado, não por ele, e sim por um dos seus filhos
que inclusive havia saído por último. Um misto de generosidade e fraternidade
dominou a mente do “primeiro colocado”, logo ele voltou e orientou cada integrante
da família que estava perdido no trajeto. Quando todos chegaram ao destino,
eles acabaram dando de cara com um dilema: como dividir aquele tanto de comida
desperdiçada? O alimento que os gigantes deixaram separados para a próxima refeição
infelizmente acabou sendo derramado e pouco tempo depois estava depositada na
lixeira da cozinha. O chefe dos ratinhos encontrou a comida e logo voltou do
esconderijo para avisar aos outros ratinhos. Mas como dividir?
Enquanto os ratos enfrentam o dilema
da divisão da comida, havia um homem debatendo seriamente com seu parceiro. Pelo
visto a conversa era bem mais do que particular, mas nada amoroso apenas
negócio. O chefe da família de ratos foi o único que parou de comer para
prestar atenção nos movimentos daqueles dois homens conversando a uma porta de
distância. A divisão da comida acabou sendo frustrado pela forma dos demais,
todos avançaram com voracidade nos pedaços de carne e arroz ensacados. O rato
chefe percebeu um movimento estranho de um dos homens no outro lado da porta. Ouve-se
o giro da maçaneta, seguido de batidas de pés violentas, o que assustou os
ratinhos e os fez saírem a todo vapor de volta ao esconderijo. A porta fechou.
Horas antes, um homem movimentava-se
apressadamente à sala de reuniões. Caminhava com tanta pressa que chegava a
despertar a curiosidade das pessoas em seu caminho. Não conseguiu evitar ser
perguntado por alguém que estava regulando uma máquina:
_E aí doutor? Firmeza? Perguntou o
mecânico.
O homem continuou seu caminho e
responde o mecânico apenas com um aceno de mão que mais parecia um “tchau” do
que um “beleza”. O mecânico não se importou muito e achou melhor continuar o
seu serviço. Ainda na correria, um rapaz veio em sua direção com uma prancheta
cheia de dados. Ele entregou a prancheta para o homem apressado e disse:
_Senhor, aqui estão aqueles dados
que o senhor me pediu. Aqui estão todos os registros das atividades realizadas
na refinaria.
_Tudo bem, obrigado. Respondeu o
homem, sem ao menos parar de caminhar.
_Deseja mais alguma coisa, senhor?
Disse o rapaz acompanhando os passos daquele que parecia ser o seu superior.
_Na verdade, quero sim. Vá até o
mecânico que está regulando o controlador de densidade do óleo. Se ele já tiver
terminado, contate a equipe de engenharia e petroquímica para conferir. Feito isso,
pode dar uma parada para almoçar. Disse o homem, já com a mão na maçaneta da
porta da sala de reuniões.
_Obrigado senhor! E saiu.
A sala de reuniões era na verdade um
espaço da refinaria que não possuía máquinas, apenas ferramentas manuais, uma
espécie de almoxarifado. Assim que bateu a porta, o homem apressado aproveitou
o momento para descansar da caminhada. Ele sentou numa caixa de ferramentas,
apanhou um copo descartável e acionou o filtro de água. Após um gole, o homem
que o esperava de terno e gravata, encostado na prateleira com ferramentas,
começou a falar em um tom bem amigável, entretanto era notável o fingimento em
suas palavras:
_Cansado doutor?
_Mais ou menos. Respondeu o homem
com o copo na mão direita e um lenço úmido de suor em outra.
_Aliás, me perdoe, mas qual a sua especialização?
O Homem olhou para o engravatado um
tanto desconfiado, mas respondeu:
_Fiz minha tese de doutorado baseada
em sustentabilidade na produção de combustíveis.
_Uau, que interessante. Chegou a
alguma solução? Perguntou exageradamente sarcástico.
_Como o senhor pode ver, não
apliquei nada do que escrevi nessa refinaria.
_Entendo. Bom, essas coisas são
assim mesmo...
_É...
O físico doutor, ainda com o copo nas
mãos, estava a ponto de derramar aquela água no rosto do engravatado, mas
preferiu se controlar. Deu o último gole e voltou com a conversa.
_O que você veio fazer aqui?
O engravatado preferiu responder com
outra pergunta:
_E você, sabe o que está fazendo
aqui nessa sala?
O físico engoliu em seco, mesmo
tendo acabado de molhar a garganta. O engravatado continuou:
_Acha que eu não sei das suas
conversinhas? Você com certeza sabe da enrascada que estamos metidos desde que
descobriram o esquema. A maioria dos envolvidos já está prestando satisfações
para os grandões da justiça, sem falar daqueles que foram pegos e estão em
delação premiada...
O doutor ousou dizer:
_E o que eu tenho a ver com o vacilo
de vocês?
O engravatado subiu o tom:
_Eu acabei de receber uma intimação
do tribunal para prestar esclarecimentos! Você pensa que eu não sei das denúncias
que andaram fazendo por aí?
_Acalme seus ânimos, diretor. Só acho
que o senhor veio ao lugar errado para descobrir quem te dedurou...
_Isso não vai ficar assim, seu
físico de merda!
Saindo da sala, o diretor bateu a
porta e deixou o doutor sozinho com o medo de perder a cabeça em curto prazo. O
diretor tinha muita influência na refinaria e na estatal responsável pela
refinaria, tanto é que poderia andar tranquilamente pela base com seu capacete.
Para sair de lá, assim como entrar, só precisava chamar ao seu helicóptero particular
e voltar para a terra firme. Entretanto um esquema de corrupção envolvendo essa
mesma estatal acabou deixando grandes prejuízos financeiros, e os responsáveis
estavam pagando caro por isso.
O físico ligou seu celular e fez uma
chamada para aquele mesmo rapaz que lhe entregou a prancheta momentos antes:
_Me encontre na cozinha assim que
terminar de almoçar! Desligou o telefone.
Horas depois, lá estavam o físico e
o seu assistente. A conversa seguiu:
_O diretor descobriu minha delação.
_E agora? Perguntou o rapaz.
_Agora é rezar para a justiça dar um
jeito naquele canalha!
_Sabemos que isso não vai acontecer,
doutor. Se eu fosse o senhor, procurava pedir as contas antes da operação “pixuleco”
terminar na CPI e no STF.
_Esses caras não passam de ratos
rasgando sacos de comida suja! Declarou o físico.
O rapaz avistou alguns bichinhos do
outro lado da porta. Girou a maçaneta, abriu a porta e bateu com os pés para
assustar os ratos. Fechou a porta e disse:
_E por falar em ratos...
_Esse lugar tá cheio mesmo! Disse o
físico.
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