quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Passos curtos (06/08/2015)




           
         O ruído dos seus passos é praticamente inaudível. Rapidamente ele consegue se deslocar para onde deseja sem incomodar ninguém. Mas ele não tinha tantos lugares escondidos para ocultar sua presença, afinal o espaço disponível para sua locomoção é bastante amplo e aberto. Entretanto não se pode subestimar sua capacidade de se esconder mesmo em lugares assim. À medida que avançava em seu caminho, os obstáculos tornavam-se cada vez mais presentes, mas nada que atrapalhasse sua dinâmica. Desviando dos pilares e plataformas móveis, o pequeno ser se aproximava mais do seu esconderijo, o qual era apenas uma abertura criada por algumas barras de ferro dispostas em diagonal. A pressa para chegar devia-se ao encontro urgente que deveria fazer com sua numerosa família.
            Ao atravessar a “porta” do esconderijo, o chefe da família levantou seu focinho como alguém que tenta passar uma mensagem. De alguma forma os outros membros da família entenderam aquele sinal como um “Sigam-me!”. O chefe voltou a sair do esconderijo e um a um daquela numerosa família também saía, seguindo os passos e tomando cuidado para não perder a fila. O recomendado seria que a fila se mantivesse perfeita durante todo o trajeto, mas infelizmente não foi bem assim. Aqueles seres gigantes assustaram aqueles pequenos seres e não permitiram a união de todos eles durante todo o percurso. Alguns seguiram o caminho sozinhos, outros conseguiram ficar em duplas durante pouco tempo, logo depois continuaram sozinhos.
            O destino pretendido pelo chefe da família estava para ser alcançado, não por ele, e sim por um dos seus filhos que inclusive havia saído por último. Um misto de generosidade e fraternidade dominou a mente do “primeiro colocado”, logo ele voltou e orientou cada integrante da família que estava perdido no trajeto. Quando todos chegaram ao destino, eles acabaram dando de cara com um dilema: como dividir aquele tanto de comida desperdiçada? O alimento que os gigantes deixaram separados para a próxima refeição infelizmente acabou sendo derramado e pouco tempo depois estava depositada na lixeira da cozinha. O chefe dos ratinhos encontrou a comida e logo voltou do esconderijo para avisar aos outros ratinhos. Mas como dividir?
            Enquanto os ratos enfrentam o dilema da divisão da comida, havia um homem debatendo seriamente com seu parceiro. Pelo visto a conversa era bem mais do que particular, mas nada amoroso apenas negócio. O chefe da família de ratos foi o único que parou de comer para prestar atenção nos movimentos daqueles dois homens conversando a uma porta de distância. A divisão da comida acabou sendo frustrado pela forma dos demais, todos avançaram com voracidade nos pedaços de carne e arroz ensacados. O rato chefe percebeu um movimento estranho de um dos homens no outro lado da porta. Ouve-se o giro da maçaneta, seguido de batidas de pés violentas, o que assustou os ratinhos e os fez saírem a todo vapor de volta ao esconderijo. A porta fechou.
            Horas antes, um homem movimentava-se apressadamente à sala de reuniões. Caminhava com tanta pressa que chegava a despertar a curiosidade das pessoas em seu caminho. Não conseguiu evitar ser perguntado por alguém que estava regulando uma máquina:

            _E aí doutor? Firmeza? Perguntou o mecânico.

            O homem continuou seu caminho e responde o mecânico apenas com um aceno de mão que mais parecia um “tchau” do que um “beleza”. O mecânico não se importou muito e achou melhor continuar o seu serviço. Ainda na correria, um rapaz veio em sua direção com uma prancheta cheia de dados. Ele entregou a prancheta para o homem apressado e disse:

         _Senhor, aqui estão aqueles dados que o senhor me pediu. Aqui estão todos os registros das atividades realizadas na refinaria.
            _Tudo bem, obrigado. Respondeu o homem, sem ao menos parar de caminhar.
           _Deseja mais alguma coisa, senhor? Disse o rapaz acompanhando os passos daquele que parecia ser o seu superior.
            _Na verdade, quero sim. Vá até o mecânico que está regulando o controlador de densidade do óleo. Se ele já tiver terminado, contate a equipe de engenharia e petroquímica para conferir. Feito isso, pode dar uma parada para almoçar. Disse o homem, já com a mão na maçaneta da porta da sala de reuniões.
             
                _Obrigado senhor! E saiu.

            A sala de reuniões era na verdade um espaço da refinaria que não possuía máquinas, apenas ferramentas manuais, uma espécie de almoxarifado. Assim que bateu a porta, o homem apressado aproveitou o momento para descansar da caminhada. Ele sentou numa caixa de ferramentas, apanhou um copo descartável e acionou o filtro de água. Após um gole, o homem que o esperava de terno e gravata, encostado na prateleira com ferramentas, começou a falar em um tom bem amigável, entretanto era notável o fingimento em suas palavras:

            _Cansado doutor?
            _Mais ou menos. Respondeu o homem com o copo na mão direita e um lenço úmido de suor em outra.
            _Aliás, me perdoe, mas qual a sua especialização?

            O Homem olhou para o engravatado um tanto desconfiado, mas respondeu:

       _Fiz minha tese de doutorado baseada em sustentabilidade na produção de combustíveis.
        _Uau, que interessante. Chegou a alguma solução? Perguntou exageradamente sarcástico.
            _Como o senhor pode ver, não apliquei nada do que escrevi nessa refinaria.
            _Entendo. Bom, essas coisas são assim mesmo...
            _É...

            O físico doutor, ainda com o copo nas mãos, estava a ponto de derramar aquela água no rosto do engravatado, mas preferiu se controlar. Deu o último gole e voltou com a conversa.

            _O que você veio fazer aqui?

            O engravatado preferiu responder com outra pergunta:

            _E você, sabe o que está fazendo aqui nessa sala?

            O físico engoliu em seco, mesmo tendo acabado de molhar a garganta. O engravatado continuou:

            _Acha que eu não sei das suas conversinhas? Você com certeza sabe da enrascada que estamos metidos desde que descobriram o esquema. A maioria dos envolvidos já está prestando satisfações para os grandões da justiça, sem falar daqueles que foram pegos e estão em delação premiada...

            O doutor ousou dizer:

            _E o que eu tenho a ver com o vacilo de vocês?

            O engravatado subiu o tom:

            _Eu acabei de receber uma intimação do tribunal para prestar esclarecimentos! Você pensa que eu não sei das denúncias que andaram fazendo por aí?
          _Acalme seus ânimos, diretor. Só acho que o senhor veio ao lugar errado para descobrir quem te dedurou...
              _Isso não vai ficar assim, seu físico de merda!

            Saindo da sala, o diretor bateu a porta e deixou o doutor sozinho com o medo de perder a cabeça em curto prazo. O diretor tinha muita influência na refinaria e na estatal responsável pela refinaria, tanto é que poderia andar tranquilamente pela base com seu capacete. Para sair de lá, assim como entrar, só precisava chamar ao seu helicóptero particular e voltar para a terra firme. Entretanto um esquema de corrupção envolvendo essa mesma estatal acabou deixando grandes prejuízos financeiros, e os responsáveis estavam pagando caro por isso.
            O físico ligou seu celular e fez uma chamada para aquele mesmo rapaz que lhe entregou a prancheta momentos antes:

            _Me encontre na cozinha assim que terminar de almoçar! Desligou o telefone.

            Horas depois, lá estavam o físico e o seu assistente. A conversa seguiu:

            _O diretor descobriu minha delação.
            _E agora? Perguntou o rapaz.
            _Agora é rezar para a justiça dar um jeito naquele canalha!
            _Sabemos que isso não vai acontecer, doutor. Se eu fosse o senhor, procurava pedir as contas antes da operação “pixuleco” terminar na CPI e no STF.
            _Esses caras não passam de ratos rasgando sacos de comida suja! Declarou o físico.

            O rapaz avistou alguns bichinhos do outro lado da porta. Girou a maçaneta, abriu a porta e bateu com os pés para assustar os ratos. Fechou a porta e disse:

            _E por falar em ratos...
            _Esse lugar tá cheio mesmo! Disse o físico.    


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