domingo, 9 de agosto de 2015

Sexta à noite (09/08/2015)




      
         Eu confesso: assim como todo ser humano eu também possuo anseios, desejos, vontades e principalmente ingenuidade frente aos fatos da vida nesse planeta. O principal fator de diferenciação para aplicação em diferentes personalidades é a maneira de interpretar esses fatos. Muitas vezes o resultado é um impulso que não podemos evitar quando nos deparamos com certos acasos. Por exemplo, se eu vejo um doce em uma prateleira de panificadora, provavelmente eu terei o impulso de pelo menos pensar que aquele doce é bom, saboroso e que poderia estar em minhas mãos ao invés da prateleira. De fato o exemplo é simples, mas traduz na prática o que costumamos chamar de “desejo”.
Mas vocês sabem qual é o maior desejo da sociedade contemporânea? Se sua resposta for dinheiro, está quase certo, porém há algo bem mais atrativo e que é garantido toda semana: a noite de sexta-feira. Posso estar generalizando, e realmente estou, mas pelo menos em minha realidade não há algo mais prazeroso do que a sexta à noite. Por que vocês acham que a maioria dos shows, eventos, festas e outras ocasiões são marcados para acontecerem na véspera de sábado? Claro que não são todas as pessoas que consideram isso como diversão absoluta, entretanto não podemos esquecer que em nossos tempos e em toda a história da humanidade, o desejo faz parte do caráter humano, assim como a satisfação da carne.
Durante a semana acabamos por querer apenas três coisas: descansar, descansar e descansar, mas quando chega a sexta-feira, queremos descarregar todo o estresse da semana em apenas uma noite para que possamos ter mais motivos para um descanso durante o sábado e o domino. Isso é compreensível, mas à medida que o homem descobria esse lado “farreador”, mais formas de se aproveitar a sexta à noite foram surgindo. Desde a bebedeira de vinho em homenagem a Baco, até o vira-vira da garrafa de Jack Daniels nas casas de festas.
Hoje temos o produto da criatividade do homem para esse tipo de ocasião, e esse tipo de invenção não para de crescer em números e categorias. Podemos citar as famosas “raves”, abarrotadas de pessoas sedentas por diversão e que pagam qualquer preço para obter satisfação. Música eletrônica de todas as vertentes e nomes, DJ’s que deslizam os dedos sobre os pick-ups durante horas de muita farra, bebedeira e beijo na boca... Sexo, drogas também entram na gandaia.
Realmente para alguns isso têm alguma graça, mas algo interessante a ser observado nos diferentes tipos de festa do gênero “Sexta à noite” são as características que nos permitem classificá-las com tão pouco tempo de observação. Sei que muita gente está cansada de ouvir a respeito de desigualdade social no Brasil, mas infelizmente esse é um assunto que não sairá da pauta da opinião pública tão cedo. O mesmo vale para a distribuição de renda, mas se estamos interessados em fugir das estatísticas e olharmos um pouco para prática, não precisamos dar o exemplo óbvio de que ao mesmo tempo em que uma pessoa passa fome há outra comendo caviar, basta olhar para as festas de sexta à noite.
Um rapaz de camisa branca e gola rulê estava tranquilamente a caminho de uma festa marcada para acontecer às 22:00 horas de sexta-feira. De calça jeans azul e tênis de mola, o rapaz ainda trazia uma garota, no intuito de compartilhar esse momento de diversão que esperava ter. O local da festa fica no centro da cidade, possui um espaço muito próprio para comportar muitas pessoas. Antes de falar com o segurança para entrar, decidiu comprar uma latinha de cerveja para se e para a namorada. Pagou, recebeu o troco em moedas e puxou o anel da lata para começar a beber. Um gole e já estava do outro lado da pista, de frente para o segurança e ansioso pela noite, afinal aquela prometia.
O segurança, homem alto e com a barba um pouco crescida, olhou o rapaz dos pés a cabeça e fez o mesmo com a garota que o acompanhava. Ele pegou um caderno e folheou as páginas de maneira bastante relaxada, o que poderia passar batido devido a quantidade de pessoas que passaram por ele naquela noite. Depois de ler por um bom tempo uma pagina do caderno, fechou-o e por fim respondeu ao rapaz:

_Me desculpe, mas seu nome não está na lista.

O rapaz ficou indignado e extremamente constrangido. Como alguém poderia frustrar o seu objetivo de se divertir sexta à noite? Por que ele não poderá curtir o som da música eletrônica que estava rolando na casa de festas, assim como todas aquelas pessoas que estavam lá?

_Mas eu paguei por esse ingresso! Você tem ideia de quanto eu paguei? Do quanto foi caro?

O segurança parecia estar evitando falar alguma coisa, mas preferiu repetir:

_Me desculpe, mas sem nome na lista não entra.

O rapaz resolveu apelar. Ele jogou sua lata de cerveja no rosto do segurança com tanta violência que provocou uma ferida bem feia na região das narinas. Parecia ter quebrado. O segurança resolveu revidar, ensanguentado e cheirando a cerveja. Agarrou o rapaz revoltado pelos braços e logo o deixou de joelhos e ameaçando quebrar seus membros superiores, e ainda dizia:

_Agora você vai entrar na festa da delegacia! Seu.......!

E aí, ficou curioso em saber qual é a palavra nos tracinhos? Eu vou revelar qual é, mas antes vamos para outro lugar na mesma cidade.
A música também tocava, assim como a galera não economizava energia para dançar. Outro rapaz, de bermuda branca, tênis de mola, mas sem camisa e com óculos escuros apoiado na testa. Ele caminhou até o local onde a festa estava acontecendo, sem ao menos um segurança para conferir seu nome na lista. Sem vergonha alguma, chamou uma garota para dançar. A garota estava bem provocante, de shorts curtos e uma vestimenta que não sei se dá para chamar de sutiã, pois era a única peça de roupa que usava para “tampar” os seios.
O rapaz parecia não conhecer a garota antes de chamá-la para dançar, mas em poucos minutos de dança a relação era exageradamente íntima, ou melhor, tão íntima que chegava a ser obscena. Ela estava de costas para o rapaz, dobrou seu ventre de modo a deixar o corpo sustentado pelas pernas abertas e o tronco na horizontal. Seu quadril se movia na batida do som e o rapaz mais fazia referência ao ato sexual do que propriamente dançava.
Em questão de segundos, outro rapaz surgiu do nada e disparou quatro tiros no peito do rapaz com a garota de shortinho. Ela correu desesperada para fugir do atirador furioso e fora de si. A multidão que estava na festa também se desesperou, afinal a coisa mais fácil de acontecer seria alguém levar uma bala perdida, entretanto um grupo de pessoas tomou a perigosa atitude de segurar o criminoso portando um revólver calibre 38. Conseguiram segurar o rapaz até a chegada da polícia, a qual procedeu com as medidas cabíveis, como deixar o criminoso sob observação, isolar a cena do crime, recolher testemunhas e encaminhar o corpo do rapaz de bermuda branca para o IML.
Depois de uma boa viagem até a delegacia, o assassino foi convidado a conversar com o delegado, mas antes devia esperar outra conversa terminar. Ouve-se um burburinho na sala do delegado, seguido de muitos xingamentos e intervenções de agentes para conter os ânimos no ambiente. Após alguns minutos de confusão, a porta da sala se abre e de lá saiu um homem alto, com a barba um pouco crescida, de terno e gravata e o nariz quebrado. Ele saiu da delegacia e logo o assassino teve a chance de conversar com o delegado, mas não foi bem assim. Nem mesmo disse uma palavra ao doutor em direito e já foi mandado para a cela de prisão, junto a um rapaz vestido com uma camisa branca de gola rulê, calça jeans e tênis de mola.
O rapaz de camisa gola rulê perguntou ao companheiro de cela:

_E aí neguinho? Tá aqui por quê?
_Matei um filho da puta que tava mexendo com a minha mina lá no fluxo. E tu?

Ele deu um suspiro e respondeu:

_Tô aqui porque eu sou preto e não pude curtir minha sexta-feira à noite com aqueles branquelos.

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