segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Cascalho (07/09/2015)



Às vezes tudo aquilo que parece óbvio demais acaba se tornando insignificante demais, bastando apenas um acontecimento mais simples possível. A vontade infantil de brincar pode ser considerada um desses acontecimentos repentinos. Devo alertar que por “infantil” me refiro à essência mais pura e intocável do ser humano, não ao que costumamos atribuir à imaturidade.
Aliás, quanto mais maduros nos considerarmos, mais fácil se torna de nos sentirmos infantis quando todas as nossas verdades são destruídas. A repetição do nosso dia-a-dia, tão monótona, tão rotineira, acaba tomando a forma de um ser que apenas ele possui a capacidade de programar o nosso cérebro. Para exemplificar, basta acompanhar o trabalho de um programador, no sentido profissional da palavra. A cada código inserido, cada comando, cada sistema que esse programador procura adaptar o seu programa, mais semelhante à nossas vidas fica o resultado final. Somos condicionados a viver de uma maneira fixa e cada vez mais opressora dos nossos sentimentos mais íntimos.
Mas alguém finalmente percebeu a necessidade de olhar a vida de uma maneira diferente, mais viva. Não espere que eu cite algum sábio, filósofo, cientista. Para essa descoberta foi necessário apenas um ato muito simples, muito mecânico, no qual esse conto gira em torno.
As pernas desse ser tentavam equilibrar o corpo frágil e novo sobre as pedras no plano inclinado. Quer dizer, não era plano, ao contrário, bem irregular, uma ladeira bem perigosa na verdade. Algumas pisadas mais firmes, outras mais fracas apenas para garantir que não tomaria aquele tombo e que não sairia machucado.
As pedras caíam e cessavam o seu movimento às margens de uma bacia hidrográfica. Mas nessas margens não estavam apenas as pedras e o lixo que algum irresponsável esqueceu-se de recolher para não tomar a água que ele mesmo havia sujado. Duas pernas, banhadas até a canela. Uma calça enrolada até os joelhos, jeans. Uma camiseta vermelha com mangas curtas, entretanto essas mangas estavam dobradas até os ombros. A cabeça dessa pessoa inclinou por alguns instantes e logo o seu quadril se movimentou para a inclinação do corpo.
Os braços finos e sensíveis se esticaram até serem cobertos pela água gelada da margem. Logo o corpo voltou a ficar reto e após um movimento brusco do braço direito, um cascalho saltitou pelo menos dez vezes sobre a superfície do lago, encerrando o seu movimento com o afundamento.
Aquele garotinho que acabara de descer a ladeira observava os movimentos daquela pessoa com extrema atenção. Ele ficou impressionado com aquela pedra saltitante e não via a hora de interromper aquele anônimo para perguntar-lhe como ele fez isso.
Novamente o braço se movimentou, mas dessa vez a pedra não saltitou. Aquela natureza morta tomou os céus até onde a vista consideraria alto o suficiente. A gravidade, essa entidade sob a qual todos os seres vivem, encarregou-se de levar esse cascalho dos céus até o fundo do lago.
O garoto não entendeu o porquê daquela brincadeira com as pedras. Antes que pudesse perguntar, uma voz colidindo com as ondas interrompeu sua atitude:

_Qual tipo de pedra a sua vida é?

O garoto entrou em profunda dúvida. Mas resolveu acabar com ela:

_Tá falando comigo? Perguntou.

Aquela pessoa entrou em profundo silêncio. Isso só aumentou a dúvida do garoto.
O quadril inclinou mais uma vez, os braços esticaram e novamente aquela pedra saltitou pela superfície. Entretanto a segunda pedra não foi levada ao ar.
O garoto não esperou muito tempo e logo perguntou:

_Não vai jogar a pedra?

Aquela pessoa não virou o rosto para o garoto, apenas respondeu:

_É a sua vez...

O garoto se aproximou o bastante para apanhar o cascalho da mão daquela pessoa. Mas ele ainda não tinha claro em sua mente o que deveria fazer com a pedra. Então perguntou:

_Como eu devo jogar a pedra?

A pessoa caminhou até a base da ladeira, arrumou a calça e as mangas da camisa. Calçou as sandálias de borracha e começou a subir o aclive. Mas antes de subir, ela respondeu:

_Você quer vencer ou perder na vida?

O garoto não pensou duas vezes:

_Claro que eu quero vencer!
_Então jogue a pedra...

E sumiu depois de alguns passos para cima.
O garoto jogou a pedra e ela afundou assim como todas as outras que ele jogou após essa.
A vida sempre nos apresenta várias formas de levá-la adiante, mas de todas as formas, nenhuma será efetiva se não houver tentativa. Quando não tentamos, a vida tende a ser derrubada na primeira queda, assim como a pedra que é levada aos céus e vai ao fundo do lago na primeira descida. O fundo do lago é para onde todos nós vamos quando nossos sentidos não funcionarem mais. A vida só terá sentido se tentarmos vencer, mesmo que durante o percurso enfrentemos altos e baixos, assim como a pedra que saltita na superfície das águas.
Quando o garoto jogou o cascalho, em nenhuma das tentativas a pedra afundou na primeira descida.

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