Às vezes tudo aquilo que parece óbvio demais
acaba se tornando insignificante demais, bastando apenas um acontecimento mais
simples possível. A vontade infantil de brincar pode ser considerada um desses
acontecimentos repentinos. Devo alertar que por “infantil” me refiro à essência
mais pura e intocável do ser humano, não ao que costumamos atribuir à
imaturidade.
Aliás, quanto mais maduros nos considerarmos,
mais fácil se torna de nos sentirmos infantis quando todas as nossas verdades
são destruídas. A repetição do nosso dia-a-dia, tão monótona, tão rotineira,
acaba tomando a forma de um ser que apenas ele possui a capacidade de programar
o nosso cérebro. Para exemplificar, basta acompanhar o trabalho de um
programador, no sentido profissional da palavra. A cada código inserido, cada
comando, cada sistema que esse programador procura adaptar o seu programa, mais
semelhante à nossas vidas fica o resultado final. Somos condicionados a viver
de uma maneira fixa e cada vez mais opressora dos nossos sentimentos mais
íntimos.
Mas alguém finalmente percebeu a necessidade
de olhar a vida de uma maneira diferente, mais viva. Não espere que eu cite
algum sábio, filósofo, cientista. Para essa descoberta foi necessário apenas um
ato muito simples, muito mecânico, no qual esse conto gira em torno.
As pernas desse ser tentavam equilibrar o
corpo frágil e novo sobre as pedras no plano inclinado. Quer dizer, não era
plano, ao contrário, bem irregular, uma ladeira bem perigosa na verdade. Algumas
pisadas mais firmes, outras mais fracas apenas para garantir que não tomaria
aquele tombo e que não sairia machucado.
As pedras caíam e cessavam o seu movimento às
margens de uma bacia hidrográfica. Mas nessas margens não estavam apenas as
pedras e o lixo que algum irresponsável esqueceu-se de recolher para não tomar
a água que ele mesmo havia sujado. Duas pernas, banhadas até a canela. Uma calça
enrolada até os joelhos, jeans. Uma camiseta vermelha com mangas curtas,
entretanto essas mangas estavam dobradas até os ombros. A cabeça dessa pessoa
inclinou por alguns instantes e logo o seu quadril se movimentou para a
inclinação do corpo.
Os braços finos e sensíveis se esticaram até
serem cobertos pela água gelada da margem. Logo o corpo voltou a ficar reto e
após um movimento brusco do braço direito, um cascalho saltitou pelo menos dez
vezes sobre a superfície do lago, encerrando o seu movimento com o afundamento.
Aquele garotinho que acabara de descer a
ladeira observava os movimentos daquela pessoa com extrema atenção. Ele ficou
impressionado com aquela pedra saltitante e não via a hora de interromper
aquele anônimo para perguntar-lhe como ele fez isso.
Novamente o braço se movimentou, mas dessa
vez a pedra não saltitou. Aquela natureza morta tomou os céus até onde a vista
consideraria alto o suficiente. A gravidade, essa entidade sob a qual todos os
seres vivem, encarregou-se de levar esse cascalho dos céus até o fundo do lago.
O garoto não entendeu o porquê daquela
brincadeira com as pedras. Antes que pudesse perguntar, uma voz colidindo com
as ondas interrompeu sua atitude:
_Qual tipo de pedra a sua vida é?
O garoto entrou em profunda dúvida. Mas resolveu
acabar com ela:
_Tá falando comigo? Perguntou.
Aquela pessoa entrou em profundo silêncio. Isso
só aumentou a dúvida do garoto.
O quadril inclinou mais uma vez, os braços
esticaram e novamente aquela pedra saltitou pela superfície. Entretanto a
segunda pedra não foi levada ao ar.
O garoto não esperou muito tempo e logo
perguntou:
_Não vai jogar a pedra?
Aquela pessoa não virou o rosto para o
garoto, apenas respondeu:
_É a sua vez...
O garoto se aproximou o bastante para apanhar
o cascalho da mão daquela pessoa. Mas ele ainda não tinha claro em sua mente o
que deveria fazer com a pedra. Então perguntou:
_Como eu devo jogar a pedra?
A pessoa caminhou até a base da ladeira,
arrumou a calça e as mangas da camisa. Calçou as sandálias de borracha e
começou a subir o aclive. Mas antes de subir, ela respondeu:
_Você quer vencer ou perder na vida?
O garoto não pensou duas vezes:
_Claro que eu quero vencer!
_Então jogue a pedra...
E sumiu depois de alguns passos para cima.
O garoto jogou a pedra e ela afundou assim
como todas as outras que ele jogou após essa.
A vida sempre nos apresenta várias formas de
levá-la adiante, mas de todas as formas, nenhuma será efetiva se não houver
tentativa. Quando não tentamos, a vida tende a ser derrubada na primeira queda,
assim como a pedra que é levada aos céus e vai ao fundo do lago na primeira
descida. O fundo do lago é para onde todos nós vamos quando nossos sentidos não
funcionarem mais. A vida só terá sentido se tentarmos vencer, mesmo que durante
o percurso enfrentemos altos e baixos, assim como a pedra que saltita na
superfície das águas.
Quando o garoto jogou o cascalho, em nenhuma
das tentativas a pedra afundou na primeira descida.
Fantástico texto.
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