Com algumas trouxas
balançando em ambos os braços, o indivíduo que sai ao sol
distribui pelo ar suas palavras violentas, de baixo calão, algo
como: “vamos embora!”, com alguns termos impróprios e
desnecessários. Logo, outro indivíduo sai daquele vidro que outrora
fora chamado de “seguro”. Mais toucas pretas, casacos longos e
trouxas balançando, tudo isso cortando o ar e a possibilidade de
alguém envolvido ser capturado com facilidade. O som da fechadura é
quase imperceptível se comparado ao baque do corpo e das sacolas com
a porta dianteira de um veículo que era tudo, menos propriedade
daquele que assentou no banco do motorista milésimos de segundos
depois.
A porta traseira
abriu, trazendo consigo um corpo apressado, hostil e,
consequentemente, desesperado. Antes da borracha “goodyear”
gastar sua superfície no asfalto quente, algumas palavras puderam
ser ouvidas por que estava apenas observando o show, algo como: “mete
o pé, mete o pé!”. A trilha sonora de toda a cena consistia em
uma sirene, daquelas bem agudas. Para ajudar a entender, imagine uma
menina de dois ou três anos gritando na sua capacidade máxima,
vibrando sua úvula freneticamente. O canto dos pneus era um sinal
verde para o início de uma nova caçada.
Resta saber quem é a
caça e quem é o caçador.
Nas grandes savanas
africanas, lugares teoricamente isentos da ação humana, a atividade
da caça é extremamente perigosa, afinal as presas não são nada
passivas com a intencionalidade humana. Por isso, se o animal
pretende escapar, ele nunca deverá estar só, afinal outro animal
poderá avisá-lo do perigo eminente, de alguma forma. Do outro lado,
o destemido caçador deve estar ciente dessa cooperatividade animal e
estar com suas virtudes em dia. A arma de fogo, extensão do braço
humano que é controlada pelo nervo da indiferença, deve estar
carregada o suficiente para que o objetivo seja alcançado. Se
estiver com projéteis metálicos ou tranquilizantes poderosos, não
sei, depende muito do caçador. Ele não pode, em hipótese alguma,
ser visto. Acontece que o instinto é mais forte que o desejo de não
ser descoberto, assim como a atitude sempre supera a morosidade. A
presa não quer nem saber, parte com toda a sua garra e garras para
tentar mudar o seu destino. E então, a covardia vence em forma de
balas e pólvora.
A caça, com toda a
sua garra, partia em direção ao destino mais isolado possível,
assim como um tigre que procura um lugar sossegado para saborear a
gazela. O som da troca de marchas e o ronco do motor são como as
patas do tigre golpeando a mata rasteira.
Nessa selva de vias
duplas, pontes, acessos, estradas, ruas, ruelas, vielas, o animal se
desloca em sua capacidade máxima para evitar os olhos atentos do
caçador. A caça, ao mesmo tempo em que deseja escapar também
deseja saber onde o seu inimigo natural se encontra, apenas para ter
a certeza do lugar para o qual se refugiaria.
Mas nessa caçada, o
caçador não é tão eficiente quanto o destemido das savanas. Esse
caçador precisa ser avisado pela gazela. A gazela deve registrar um
boletim de ocorrência. A gazela tem que descrever a numeração da
placa do tigre. A gazela tem que ter paciência se quiser os seus
órgãos de volta. Feito tudo isso, o caçador partiu com certa
insegurança, o que era bem óbvio pois partiu com a sirene ligada,
na esperança de que os não-envolvidos abrissem caminho para a sua
missão.

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