A
partir de qual momento, algo bastante caro passa a ser gratuito? Em
uma abordagem econômica, seria perda de valor por obsolescência,
danificação, ou simplesmente por tempo de uso. Não podemos excluir
a doação. Porém a pergunta que faço não é tão técnica assim,
trata-se de um conceito que, para mim, ainda não possui um
fundamento lógico plausível: quando alguma coisa se torna gratuita,
ela também se torna desprezível?
Considere,
por exemplo, a doação. A nível material, há uma relação de
gratuidade que é considerada por muitos como valorosa e que está
longe de ser desprezível. Não há o que discutir em relação a
isso. As coisas começam a ficar estranhas quando consideramos a
relevância. A doação, no ponto de vista cristão, é sempre bem
vinda, mas ainda estamos na esfera material. O que normalmente é
posto para doação, não há relevância para quem doa, pois, a
priori, as coisas importantes são inestimáveis. Assim, acabamos em
uma contradição muito curiosa, pois a doação valorosa envolve
algo que não tem valor real.
É
fácil valorar o que temos no mundo material e estabelecermos
relações de troca que envolvam, ou não, quantias de dinheiro.
Encontramos algo de estranho nessas relações de vez em quando, o
que pode levantar suspeitas, desconfianças e destaques para
interesses que permanecem no mundo material. Acontece que trazer as
ideias de gratuito e precificado para o mundo onde realmente as
coisas acontecem, tudo fica mais imprevisível.
Afinal,
como podemos atribuir valores a sentimentos? Ou melhor, o que são
valores na perspectiva do mundo imaterial? Inicialmente, tudo aquilo
que podemos identificar, nomear e nos relacionar possui algum
significado para a nossa existência, e o que dá significado a elas
podemos chamar de “valor”. Essas coisas, ao contrário do que
existe no mundo material, não são tão óbvias de serem valoradas,
pois sempre há a necessidade de conhecer certos conceitos antes de
fazer tais atribuições. Um carro, antes de ser um objeto do mundo
material para locomoção de outros objetos, é uma criação com
motivos puramente humanos, assim como qualquer invenção e
descoberta feita por esse ser.
Talvez
por preguiça, muitos seres humanos não querem ter esse conhecimento
prévio. Com esse tipo de pensamento, alguns atalhos foram criados
para facilitar a valoração das coisas do mundo imaterial. Assim,
nasce a materialização. Por exemplo, a felicidade. Não conseguimos
ter uma visão clara do que é a felicidade, muito menose atribuir
algum valor. Como ser humano, repleto de reações internas e
percepções adquiridas de forma natural, entendemos a felicidade
como prazer, alegria, satisfação e conquista, características que
podemos identificar de maneira física. Ora, sabemos tanto a respeito
do mundo material, por que não interpretar a felicidade nessa
perspectiva? A felicidade, portanto, pode ser obtida de forma
material de alguma forma, pois é possível ter prazer, alegria,
satisfação e conquista nessa perspectiva.
Existe
um caso mais complicado de relacionar com o mundo material e podemos
dizer que esse é um dos maiores desafios da humanidade, apesar de
ser possível ter a ilusão de que podemos resolvê-lo de maneira
simples. A questão é que no mundo imaterial, uma coisa não possui
o mesmo valor para todos, e quanto menor for esse “todos”, mais
difícil se torna descobrir esse valor. Na medida das nossas
capacidades, quando o todo envolve uma quantidade considerável de
pessoas, somos capazes de identificar o senso comum, que nada mais é
do que um valor igual para os envolvidos. Agora considere o “todo”
apenas duas pessoas. Tudo fica mais complexo. Antes de duvidar,
consulte nosso amigo Sócrates: sua tentativa de criar um senso
comum, à sua maneira, entre dois indivíduos, inclusive ele mesmo,
foi o suficiente para embasar gerações por milênios à frente, mas
ainda permanece sem conclusão ou resposta, apenas uma longa e
interminável discussão para decidir quem é o certo entre duas
pessoas, ou simplesmente duas ideias.
Entre
essa difícil decisão e a nossa discussão sobre valores, surge um
questionamento muito profundo: o que seria algo imaterial e gratuito?
Mais uma vez, recorremos ao mundo material e concluímos que é algo
imaterial que não possui valor, obsoleto, desgastado, danificado e,
talvez a característica mais marcante, imperfeito. Complicando ainda
mais as coisas: entre duas pessoas, o que seria imaterial e gratuito?
A violência,por mais que os seus efeitos estejam relacionados a algo
visível no senso comum (muitas pessoas) e tenham um aspecto
negativos, entre duas pessoas não podemos afirmar o mesmo, pois
quando trata-se de agressor e vítimas os valores são completamente
opostos. É possível que haja até uma transformação do plano
imaterial, por exemplo, da violência tornando-se felicidade, ou vice
e versa.
Entre
todas essas incertezas dialógicas, proponho que reflitamos a
respeito do amor. Trata-se de algo imaterial, ou seja, impossível de
ser valorado sem conhecimento prévio específico. Note que as coisas
materiais também precisam ser conhecidas para serem valoradas, mas
esse conhecimento ainda pertence ao mundo material. A grande pista
que nos é fornecida para responder a essa questão é o fato de que
o amor se transforma em vários outras coisas imateriais, dependendo
das condições em que duas pessoas decidem explorar os seus efeitos.
Ele pode se transformar em ódio, violência, rancor, solidão e
muitas outras coisas que, no senso comum de muitas pessoas, se
comportam de maneira completamente contrária no mundo material.
Então, por fim, o que seria o amor gratuito? Um amor sem valor?
Desgastado? Danificado? Imperfeito?
Sem
dúvida alguma, muitos desejam que a característica mais evidente do
amor seja a perfeição quando o mesmo é praticado. Mas nesse ponto,
erros graves são cometidos e acaba sendo impossível alcançar esse
objetivo. O erro, sem dúvida alguma, passa pela tentativa de
arrastar o amor para o mundo material, justamente pela necessidade de
tentar entendê-lo e, por fim, dominá-lo. Entre duas pessoas, sempre
há um lado onde essa tentativa é feita de modo mais desesperador, o
que chega ser tão forte a ponto de criar certos ritos que se
espalharam pelo senso comum, como o casamento, o namoro, a vontade de
formar uma família, etc. Entretanto, muitas vezes essas tentativas
são feitas por apenas um lado, e nada garante que resultarão no
esperado. Nesse ponto, a perspectiva de mundo material fica de lado e
dá lugar ao fenômeno onde o amor perde o seu valor e torna-se
gratuito.
Apesar
dessa gratuidade, há sempre alguém que insiste em valorar esse
mesmo amor com características que fazem sentido apenas para essa
pessoa. Com o tempo, e caso a situação não seja revertida, o que
era gratuito passa a ser rejeitado e logo, esquecido.
Enfim,
o mundo imaterial é cheio de quebra-cabeças e podemos dizer que as
nossas tentativas de resolvê-los são responsáveis por modar e
oferecer condições para a convivência humana de modo geral. As
transformações essenciais do mundo imaterial acontecem onde elas
são mais complicadas de serem entendidas: entre duas pessoas. Mas em
nenhuma delas essa transformação é tão volátil quanto no que nos
acostumamos a chamar de amor, pois nunca sabemos se é certo tentar
entendê-lo pelo ponto do vista material, pois mesmo que estejamos no
plano físico e visível, podemos estar apenas criando ilusões no
plano imaterial.
Felicidade e mais uma ilusão de nosso ego. Toda pessoas que tem como finalidade última ser feliz está condenada a viver a prestação conseguindo o intento de obter o objeto desejado, surge de imediato novos desejos e nova carência que precisa ser suprimida, o pensamento o "ter" e compulsivo e jamais se satisfaz, quando o objeto de desejo e conseguido torna-se desimportante para o indivíduo assim perdendo o seu valor que antes era de grande importância, por que inexistia necessidade para o "EU"imaterial e seus desejos atualmente,
ResponderExcluirÉ importante notar que o bem material em si deixa de ter valor intrínseco. O que importa é nossa identificação com ele.