terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Salão (17/12/20)

O eco dos passos naquele chão de granito só deixava mais evidente o silêncio daquele lugar escuro e vazio. Realmente não havia nada para fazer naquele lugar. Tão vazio e tão sem vida.
Ao tocar as paredes, intercaladas por grandes pilares cilíndricos, o frio que passava pela ponta dos dedos e chegava aos sensores da pele deixava, além de uma sensação de inseguranca, medo em qualquer um que fizesse isso. Porém, de todas as formas possíveis de se encarar um medo, a única possível em uma situação que não se pode escapar, parece ser apenas ficar parado, esperando alguma pista do que pode ser o motivo de tanta apreensão.
    Algo cai no chão e o barulho reproduzido com o impacto desperta aquele calafrio ascendente, que chega a arrepiar cada fio de cabelo. Pelo som, algo como uma caixa parece ter caído de alguma parte de cima daquele lugar tão misterioso. A vontade de espiar realmente é inquietante, porém o medo é maior. Não se sabe o que pode estar dentro da caixa. Quem sabe até uma criatura misteriosa tenha vindo junto com a caixa, tenha saído e esteja observando atentamente, parada, apenas esperando seu alvo se mover bruscamente.
    Acontece que, depois de algum tempo, nada se sucedeu após a queda da caixa e o silêncio se instalara da mesma forma. A curiosidade mista ao medo de se aproximar do objeto desconhecido criam um conflito torturante para qualquer pessoa em situação semelhante. Lentamente as mãos desencostam da parede e os calcanhares começam a levantar o corpo tomado por incertezas.
    Apesar da escuridão daquele lugar, à medida em que se aproximava da caixa, o seu entorno tornava-se cada vez mais iluminado, como se aquele objeto tivesse uma conexão direta com aquele que se aproximasse dele. É estranho o quanto a luz, mesmo sendo algo tão natural e comum, tem o poder de oferecer tantas coisas sem as quais não podemos viver sem. Nesse caso, além de aliviar a tensão criada por aquele ambiente, também oferecia calor, um contraste marcante para quem apenas sentia frio.
    Ajoelhado próximo a caixa, ao retirar a tampa que havia permanecido acima da abertura, pôde perceber que realmente não havia nada para ter medo, afinal ali dentro estavam alguns objetos bem aleatórios, como fotos, brinquedos e alguns pedaços rasgados de papel. Pensou. A conclusão poderia ser simples a esse ponto e bastaria fechar a caixa, voltar àquele canto frio e esperar pelo que aconteceria em seguida. E assim pensou em fazer. Porém, um milissegundo antes de fechar a caixa, percebeu algo estranho, um sentimento de que havia visto algo daquela caixa antes. Colocou a tampa de lado mais uma vez e esticou o braço até o fundo da caixa para alcançar o item. Era uma foto, já sem cor e bem antiga.
    A foto registrava duas pessoas sentadas em um banco de praça, aparentemente conversando uma com a outra. Um detalhe bastante perturbador era que ambos os rostos estavam borrados, como se alguém tivesse feito de propósito. A estranheza da foto não deixava de despertar um sentimento de familiaridade e resolveu guardá-la em um de seus bolsos. Ainda não queria fechar a caixa, pois queria ter certeza de que não havia mais nada ali que provocasse a mesma sensação.
    A curiosidade em descobrir o restante dos objetos acabou elevando a atenção e pouco a pouco retirando os objetos da caixa, cada um deles pelo mesmo motivo, sentia que eles tinham algo a ver com a situação. Não demorou muito para esvaziar a caixa.
    Sentado com todos aqueles objetos diante de si, resolveu buscar na memória cada um deles, começando pelo pedaço de papel com algumas palavras escritas nele. Sabia que as palavras escritas ali representavam um nome de alguma pessoa, mas poderia ser qualquer uma, afinal não reconhecera. Junto a esse pedaço de papel haviam muitos outros, todos com nomes que não conseguiu reconhecer.
    O próximo objeto que parou para analisar foi um brinquedo, ou pelo menos a aparência dele sugeria isso, dada a intenção lúdica em sua forma. Tratava-se de uma caixinha com várias peças montáveis em seu interior. Mas havia, entre todas essas peças, uma diferente de todas, como se fosse uma daquelas peças que são colocadas nos brinquedos para representarem o que de fato elas sugerem. No caso dessa, era uma peça em formato de coração, no sentido ilustrativo da palavra. Aquela peça em específico chamou muito sua atenção e resolveu guardá-la em seu bolso, junto a foto.
    Poderia ter ficado mais tempo tentando desvendar aqueles objetos, mas teve um presságio, uma sensação de que algo estava para acontecer. Recolheu todos aqueles objetos e os colocou de volta na caixa, fechando a tampa em seguida. Um pedaço de papel acabou saindo da caixa, ao deslizar do verso da tampa à borda da abertura. Ao se abaixar para recolher o papel, um tremor abalou a estrutura daquele salão. Cambaleou e caiu de joelhos no piso de granito, o qual ainda não havia parado de tremer, formando rachaduras em sua superfície e ameaçando a segurança de quem estivesse sobre ele. Antes que pudesse devolver o papel à caixa, uma cratera se abriu e engoliu a caixa, o que fez guardá-lo junto aos demais objetos do seu bolso em um movimento rápido, porém desesperado. O chão não demorou para criar aclives e declives entre as rachaduras e desestabilizar os grandes pilares do salão, fazendo com que desabassem e, enfim, engolindo tudo naquele lugar.
    Esperava que os escombros esmagassem o seu corpo, mas não foi o que aconteceu. Enquanto tentava abrir os olhos após sofrer tamanho choque, viu que que os escombros estavam flutuando acima do seu corpo, como se o salão fosse uma estrutura suspensa em uma parte do mundo em que as leis da física não ditam o que é ou não impossível. E entre essas coisas impossíveis, o seu corpo estava flutuando e caindo lentamente em uma relva, intacto e sem feridas.
    Com o corpo totalmente estendido sobre o gramado, conseguiu recuperar o controle dos seus membros e levantou apenas o seu tronco para ver em volta. Seus olhos percorreram todo o lugar e não enxergava mais ninguém. Pelo menos naquele campo de visão. Ficou de pé e forçou a vista para identificar alguma coisa além daquele campo de grama baixa e infinito. Como se pudesse atravessar o horizonte, identificou, bem longe, um banco de praça.
    A caminhada foi longa, porém não perdeu o banco de vista. Ao chegar, apenas sentou-se e parou para pensar no que estava acontecendo. Os objetos que guardou estavam no bolso, os três: a foto, o pedaço de papel com um nome e a peça de brinquedo em forma de coração.
Mais uma vez tentou lembrar se conhecia alguém com aquele nome. "Quem sera que se chama '...' ? ", pensou alto.
    Com a visão voltada para o papel, não percebeu a silhueta da pessoa que se aproximava e que sentou-se ao seu lado. Se deu conta com alguns segundos de atraso, e antes que pudesse olhar o rosto da pessoa, seu olhar passou pelos braços, cujo os mesmos estavam descansados sobre as pernas daquela pessoa. Pela delicadeza da pele, poderia concluir que era uma mulher, mas não confirmou antes de ver seu rosto. Tentou, mas antes que pudesse ver o rosto uma luz intensa atingiu seus olhos, quase cegando e forçando recuar a vista em um brusco movimento a fim de evitar danos.
    Quando recobrou a visão, aquela pessoa não estava mais lá, porém ela deixou alguns objetos. Três objetos eles eram: um pedaço de papel, a peca em forma de coração e uma foto.
    O nome no pedaço de papel que essa pessoa deixara era o seu nome, a peça era exatamente igual a que tinha. Porém a foto era o único objeto diferente, pois os rostos não estavam borrados. O cenário era o mesmo: o banco de praça e duas pessoas conversando. Uma dessas pessoas era ele mesmo, contente, sorridente e nítidamente com um semblante apaixonado. Percebeu que cada um dos acontecimentos até ali tiveram o objetivo de fazer lembrar daquela pessoa, daquele momento. Sua mente é um lugar escuro e vazio quando se sente sozinho, mas basta tentar recordar de momentos felizes com alguém que amou ou ama de verdade, que toda essa estrutura fechada e claustrofóbica desmorona.
    Apesar disso, as tentativas de sair desses momentos de solidão são constantes e nunca acabam até o fim da vida. Fechou os olhos mais uma vez, mesmo tendo aquele lugar calmo e pacífico para apreciar. Mais uma vez estava no salão escuro e frio. Uma caixa acabara de cair de algum lugar da parte de cima do salão.

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